A confraria do crime

O patriarca da família é acusado de embolsar R$ 58 milhões, o filho mais novo está preso por lavagem de dinheiro e os outros dois irmãos integrariam o propinoduto. Os Picciani, segundo o MP, faziam o que todos já desconfiavam: agiam como criminosos

FAMÍLIA DO BARULHO Todos os Picciani são investigados (da esq. para a dir): Rafael, Leonardo, Jorge e Felipe. Os dois últimos foram presos (Crédito: Divulgação)

Germano Oliveira (istoé)

Ao desvendar uma organização criminosa que agia no Rio de Janeiro a partir da Assembléia Legislativa (Alerj), a Polícia Federal e o Ministério Público Federal acabaram desmantelando uma máfia ao estilo da Cosa Nostra italiana: a famiglia Picciani. O capo da família, Jorge, atual presidente da Alerj – e que foi levado preso na última quinta-feira 16 para a Cadeia de Benfica, onde faz companhia ao ex-governador Sérgio Cabral – era um dos pontas-de-lança do esquema. Teria recebido, segundo a acusação, R$ 58,4 milhões em propinas das empresas de ônibus nos últimos cinco anos. Preso na terça-feira 14, durante a deflagração da Operação Cadeia Velha, o primogênito da família, Felipe agia em sintonia com o patriarca: foi acusado de lavar o dinheiro que o pai recebia da corrupção. Os outros dois filhos de Jorge, Rafael (deputado estadual) e Leonardo (ministro de Esportes), que têm foro privilegiado, não foram indiciados desta vez, mas são investigados pelo MPF por conta de suas atividades na agropecuária Agrobilara, pertencente à família. A Agrobilara, cujos filhos são sócios, tem fazendas em Uberlândia, onde os Picciani aplicariam o dinheiro sujo que arrecadam no Rio. Uma verdadeira confraria do crime.

Jorge Picciani, de 62 anos, começou a carreira política em 1985, com apoio de Marcelo Cerqueira, que foi candidato a prefeito do Rio pelo PSB. Cerqueira perdeu, mas ele tomou gosto pela política. Passou pelo PDT e depois pelo PMDB. Se elegeu seis vezes deputado estadual, até virar presidente da Assembleia e se tornar uma espécie de “primeiro ministro” do Rio. Logo, se aliou a Sérgio Cabral (PMDB). Foi carne e unha do ex-governador por 20 anos. Quando Cabral se tornou governador em 2007, Picciani passou a dominar ainda mais a cena na Assembleia. Com a ajuda dos três filhos (Leonardo, Rafael e Felipe), enriqueceu rapidamente. Rafael virou secretário municipal dos Transportes e Leonardo líder do PMDB na Câmara no governo Dilma.

AMIGOS PARA SEMPRE Jorge Picciani foi levado para o presídio de Benfica, onde fez companhia a Cabral (Crédito:Alexandre Cassiano)

Enriquecimento estratosférico

Seu patrimônio foi às nuvens. Passou a R$ 27 milhões em 2014, com um aumento de 900%. Ele só discordou de Cabral uma vez. Em 2014, o ex-governador apoiou Dilma e Picciani ficou com o tucano Aécio Neves. Esse fato, contudo, lhe rendeu louros com a ascensão de Michel Temer ao poder. Seu filho Leonardo, de 38 anos, foi nomeado ministro dos Esportes. Agora, Leonardo está sendo denunciado pelo marqueteiro Renato Pereira de ter pedido 4,5% da receita bruta de sua agência, a Prole, para fechar um contrato de publicidade no Ministério da Saúde, que em 2015 era da cota do PMDB do Rio. A denúncia de Pereira consta de sua delação premiada em análise no STF. A famiglia Picciani é tão poderosa no Rio que a Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia aprovou na tarde de sexta-feira que Jorge deve ser posto em liberdade, depois de ter passado uma noite na cadeia de Benfica, na Zona Norte da capital fluminense, por determinação do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). No meio da tarde, a Alerj decidiu soltar Picciani e outros dois deputados do PMDB que estavam presos desde quinta-feira à tarde.

A atuação nefasta dos Picciani explica porque o Rio de Janeiro está falido. O funcionalismo não recebe salários em dia e a violência atinge níveis assustadores, mas a classe política ficou milionária às custas dessas mazelas. Em troca de propinas pagas por empresas do setor de transporte público, uma confraria de políticos do PMDB, com a participação do presidente da Alerj e de deputados estaduais, além, logicamente, do ex-governador Cabral, assaltou os cofres públicos da cidade. Esse grupo embolsou quase R$ 260 milhões em propinas. Além dos R$ 58,4 milhões roubados por Jorge Picciani, o deputado Paulo Melo recebeu R$ 54,3 milhões, enquanto que o deputado Edson Albertassi, líder do PMDB na Alerj, foi agraciado com R$ 60 mil de “mesada” para beneficiar as empresas ligadas à Federação das Empresas de Transporte Rodoviário do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor).

“A quadrilha dos políticos cariocas não tem um chefe mor, mas um comando horizontal da grande confraria do crime organizado no Rio de Janeiro”, disse Jairo Souza da Silva, superintendente da Polícia Federal no Rio. “Essa organização foi mantida por membros do Executivo, do Legislativo e empresários, principalmente da construção civil e Fetranspor. O Rio vem sendo saqueado por esse grupo por mais de uma década, resultando na falência moral e financeira do Rio. Essa confraria deve responder por todos os danos já causados ao Rio e à sua população”, disse o comandante da PF-RJ, ao anunciar detalhes da Operação Cadeia Velha, desencadeada na terça-feira. O nome da operação veio do fato de que o prédio da Assembléia foi uma cadeia pública nos tempos do Império.

Segundo a PF, os parlamentares recebiam “mesadas” da Fetranspor, principalmente, para conceder benefícios fiscais excessivos às empresas do setor e também aprovar medidas na Alerj que favorecessem os interesses empresariais. Com as benesses fiscais dadas aos empresários, o Estado do Rio perdeu R$ 138 bilhões em impostos.

Além dos parlamentares, a operação atingiu também empresários que lideram o setor de transportes. Foram presos Lélis Teixeira, ex-presidente da Fetranspor e o empresário Jacob Barata Filho, dono de 28 empresas de transportes no Rio. Teixeira e Barata já haviam sido presos em agosto, acusados de pagarem propinas ao ex-governador Cabral. Não é à toa que a bandidagem tomou conta do Rio.

Fonte: Istoé

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