Governo do DF recua e avalia dar almoço em escola onde aluno desmaiou de fome

 

Nutricionistas foram ao colégio para ver estrutura e analisar possível refeição adicional, diz secretaria; antes, governo dizia que oferecia só biscoitos porque turno ‘não é integral’. MP vai investigar caso.

 

 

 

Por Letícia Carvalho, G1 DF

 

Fachada da Escola Classe 8 do Cruzeiro, no Distrito Federal (Foto: TV Globo/Reprodução)Fachada da Escola Classe 8 do Cruzeiro, no Distrito Federal (Foto: TV Globo/Reprodução)

Fachada da Escola Classe 8 do Cruzeiro, no Distrito Federal (Foto: TV Globo/Reprodução)

Antes da repercussão, na tarde de quinta (16), a Secretaria de Educação havia dito, em nota, que “lamentava” o caso do aluno. Segundo aquele comunicado, não havia possibilidade de dar almoço aos alunos porque não há ensino integral na unidade – em vez disso, a escola oferta um lanche no meio da tarde.

A divulgação do caso pela TV Globo e pelo G1 também motivou a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) do Ministério Público do DF a instaurar um procedimento para investigar o caso. O órgão não informou que tipo de medidas poderiam ser tomadas, com base nessa apuração.

Aluno desmaia de fome em sala de aula no Cruzeiro

Aluno desmaia de fome em sala de aula no Cruzeiro

Desmaio de fome

O estudante que desmaiou mora no Paranoá Parque, um empreendimento do Minha Casa, Minha Vida. Como não há colégio público no local, as 250 crianças do condomínio percorrem 30 quilômetros, todos os dias, para frequentar a escola.

Em nota enviada no fim da tarde desta sexta-feira (17), o Palácio do Buriti contesta a informação de que o aluno desmaiou. No texto, o governo do Distrito Federal diz que o técnico em enfermagem que prestou socorro ao estudante informou que a criança estava “molinha” quando a equipe chegou e que “durante o atendimento no local, a criança não sofreu qualquer desmaio” (confira íntegra do texto no fim da reportagem).

O Buriti ainda citou que a família do estudante recebe o Bolsa Família (R$ 596) e o DF Sem Miséria (R$ 400) e obteve no último dia 6 autorização para receber o auxílio vulnerabilidade (6 parcelas de R$ 408, podendo ser prorrogado por igual período). Em agosto, a família teria recebido uma cesta básica emergencial e, hoje, foi solicitada outra.

Segundo a professora Ana Carolina Costa, que dá aula para o aluno na Escola Classe 8 do Cruzeiro, a reclamação de fome é comum entre as crianças do turno vespertino. Por causa da distância entre as casas e o colégio, muitas crianças saem das residências por volta 11h, e passam o horário de almoço no transporte escolar do governo.

“É a realidade dos alunos que estudam à tarde na escola. E é uma realidade bem triste.”

Em um novo posicionamento enviado nesta sexta-feira, a Secretaria de Educação informou que elabora um cardápio para todas as escolas da rede, mas dá autonomia para cada unidade escolar fazer modificações.

“A Escola Classe 8 do Cruzeiro optou por oferecer biscoito como forma complementar para as crianças que chegam com fome, para que elas possam esperar até o horário do lanche.”

O lanche citado pela Secretaria de Educação é fornecido por volta das 15h30, no recreio das aulas da tarde. Após recobrar os sentidos, a criança que desmaiou em sala de aula contou aos médicos do Samu, que prestaram socorro na ocasião, qual tinha sido a sua última refeição: um prato de mingau de fubá, comido no dia anterior.

Cardápio em análise

No texto, a secretaria esmiuçou o cardápio da merenda disponibilizado para os estudantes durante os dias da semana. Arroz com feijão, vitamina de banana e macarronada com cenoura e ovos cozidos estão entre os itens listados. De acordo com a pasta, as crianças têm direito, de duas a três vezes por semana, a refeições como o arroz com feijão.

Como as famílias têm renda baixa, e muitos alunos precisam sair de casa por volta das 11h, eles não conseguem almoçar antes do horário das aulas. A professora Ana Carolina contou que boa parte das crianças nem tem o que comer em casa, e vão à escola contando com a merenda.

“Ficam dispersos, não prestam atenção. Eles falam: ‘tia, tô com fome.’ […] A escola faz o que pode, chama a família, o Conselho Tutelar, não é omissão da escola”, diz a professora.

Embora o colégio já tenha acionado até o Conselho Tutelar, a Secretaria de Educação afirmou que a instituição “precisa comunicar, com documento formal à Coordenação Regional de Ensino, a necessidade de fornecimento de uma refeição diferenciada – procedimento que até então não havia sido feito”.

O Sindicato dos Professores (Sinpro-DF) também disse já ter enviado contestação ao governo sobre o caso. “Já pedimos diversas vezes para oferecer almoço e lanche para essas crianças. Como elas vêm de muito longe, não dá para ficar só com o lanche parcial”, diz o diretor da entidade, Samuel Fernandes.

Aluno de escola pública do DF desmaia de fome

Aluno de escola pública do DF desmaia de fome

“Os alunos passam de 6 a 7 horas fora de casa. O lanche de biscoito com suco não dá para sustentar. O governo tem que oferecer uma refeição diferenciada.”

Das 250 crianças que saem do Paranoá Parque rumo à escola do Cruzeiro, quatro são filhos da dona de casa Jeane de Amorim. Desempregada, ela diz que enfrenta problemas, diariamente, para alimentar as crianças.

“Quando tem arroz com feijão, alguma mistura, eu ponho para eles, mas quanto não tem, eles vêm com fome, porque eu confio que a escola tem o lanche. É difícil.”

Por que tão longe?

Durante a apuração, a TV Globo também questionou a Secretaria de Educação sobre a necessidade de enviar essas crianças para um colégio a 30 km de distância. A pasta informou, em nota, que existe previsão para construir escolas no Paranoá Parque e no Itapoã, mas “não há disponibilidade financeira imediata para essas obras”.

Os terrenos já foram separados, e uma dessas escolas já tem até projeto pronto. Agora, a secretaria diz aguardar “dotação financeira”, ou seja, dinheiro para colocar a obra em pé. A pasta diz que, ao todo, 730 crianças usam o transporte escolar público para sair do Paranoá Parque e chegar a escolas em outras regiões.

Veja nota da Secretaria de Educação sobre o caso:

  • A criança foi atendida por uma equipe do Samu, formada por um técnico em enfermagem e o motorista. Segundo relato do técnico em enfermagem, a criança estava “molinha” quando a equipe chegou. Ao examiná-la, o técnico não verificou nenhum problema. A criança, no entanto, relatou durante o atendimento que não vinha comendo bem desde domingo. A escola ofertou, então, um alimento e, após comer, a criança sentiu-se melhor. Durante o atendimento no local, a criança não sofreu qualquer desmaio. Após o atendimento, o pai foi chamado e levou o menino para casa. Na sequência, a escola acionou o Conselho Tutelar para verificar a situação da família.
  • A diretora da escola afirmou à Regional de Ensino que o aluno já chegou à escola passando mal e, enquanto ela acompanhou a criança, ele não desmaiou. A diretora também relatou à Regional que o aluno saiu de casa após às 12h.
  • Os ônibus que transportam os alunos do Paranoá ao Cruzeiro são contratados pela Secretaria de Educação. São duas linhas especiais que realizam este atendimento. A que atende a escola em questão sai do Paranoá às 12h20 e retorna do Cruzeiro às 18h.
  • A família recebe o Bolsa Família (R$ 596) e o DF Sem Miséria (R$ 400) e obteve no último dia 6 autorização para receber o auxílio vulnerabilidade (6 parcelas de R$ 408, podendo ser prorrogado por igual período). Em agosto, a família recebeu uma cesta básica emergencial e hoje foi solicitada outra.

Fonte: G1

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