Segurança dos Alimentos é direito universal

*Por Ellen Lopes

Os números não mentem: a Segurança dos Alimentos, embora ainda pouco discutida, é um dos assuntos de maior importância para a sociedade. A Organização Mundial de Saúde(OMS) acusa: uma em cada dez pessoas no planeta Terra sofrem anualmente com sintomas de doenças ocasionadas por contaminações de alimentos. E, pasmem: cerca de 420 mil óbitos anuais são decorrentes dessas contaminações, bom o bastante para estar na lista das 10 maiores causas de mortes no mundo. Pior: 30% desse total, ou seja, 125 mil indivíduos, são crianças com menos de cinco anos. Esse assunto é de tal relevância, que a ONU decidiu decretar, em 2018, o dia 7 de junho como o Dia Mundial da Segurança de Alimentos, com o objetivo de conscientizar a população da importância da prevenção de contaminações via alimentos.

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É exatamente em razão dos números mostrados acima que existem regras, normas e regulamentos a serem adotados na prática, para garantir que os alimentos do dia a dia – sejam eles oferecidos em restaurantes ou supermercados – estejam em grau de segurança adequados ao público, sem contaminações que possam prejudicar a saúde, o que é denominado Segurança de Alimentos.

Infelizmente, porém, o mero conhecimento das regras não é o suficiente para garantir isso. Para evitar quaisquer riscos na manipulação ou produção dos alimentos, é preciso que as regras e normas sejam internalizadas na mente e no coração das pessoas para que virem verdadeiros hábitos na rotina do preparo dos alimentos, seja nos lares, seja na sua produção – desde o campo até à mesa, passando pela indústria.

No caso da indústria, sabe-se hoje que, em geral, a maior dificuldade não reside na falta de conhecimento técnico em si, mas em tornar esse conhecimento um comportamento rotineiro. “Segurança de Alimentos se resume a Comportamento”, diz Frank Yiannas, uma grande autoridade da Food and Drug Adminstration (FDA) dos Estados Unidos.

Esse é o grande desafio. Para entender como enfrentá-lo, muitos cientistas da área do comportamento, da Psicologia Social à Cultura Organizacional, se dedicaram a estudar o assunto, tendo consolidado suas descobertas em uma nova disciplina: a Cultura de Segurança de Alimentos, tema do livro publicado por Yiannas, traduzido no Brasil pela Food Design Consultoria, empresa do Grupo Food Design. Esses estudos mostram que para formar uma sólida cultura de Segurança dos Alimentos, muitos são os fatores que interferem: desde a filosofia da empresa quanto ao respeito da saúde do consumidor, como a estrutura física (layout, equipamentos e utensílios), estrutura organizacional, exemplos das lideranças, estímulos e reconhecimento, além de vários outros.

Dentre esses fatores, um tem maior destaque: a sensibilização pelo coração, que é conseguir despertar a compaixão e respeito à saúde do próximo, aquele consumidor que pode ser muito distante, que jamais será conhecido, ou aquele que pode ser até próximo, por ser da família. Uma das maneiras de tocar o coração daqueles a sua volta é através de histórias reais, como a de Barbara Kowalcyk, mãe de Kevin, um lindo menino de cabelos loiros.

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Em um fim de semana, Barbara levou Kevin a uma praia com um lago. No dia seguinte, Kevin começou a apresentar diarreia com sangue. Barbara, que trabalhava com estatística de contaminação de alimentos, levou o filho ao hospital prontamente. Nos Estados Unidos, em caso de suspeita de infecção, faz-se coleta de fezes para analisar o agente. Foi detectada presença de E.coli O157:H7, uma bactéria que pode levar à síndrome hemolítica urêmica. Barbara ficou muito assustada, mas foi tranquilizada pelo médico que afirmou que somente 10% das pessoas contaminadas desenvolvem a síndrome. Kevin voltou para casa, mas acabou piorando e voltou para o hospital – infelizmente, ele havia caído na faixa dos 10%. O menino desenvolveu a síndrome, que ataca os rins, e começou a fazer hemodiálise. Durante o processo, Kevin não poderia beber nem água – ele implorava por água para a mãe, que para aliviar a sede, passava um algodãozinho embebido em água na boquinha de Kevin. Apesar de todos os cuidados, Kevin foi piorando e veio a falecer.

Neste ponto, podemos nos perguntar: qual a probabilidade de isso acontecer? É muito baixa, diriam alguns. Estatisticamente, isso é uma verdade. Mas e se fosse seu filho?

Portanto, os cuidados que podem evitar uma contaminação são uma obrigação. Nos lares, a higiene do manipulador, a qualidade dos utensílios usados, a forma e tempo de manuseio e, é claro, a limpeza do local de manipulação são todos essenciais para evitar riscos de contaminação. O mesmo ocorre na indústria, com um agravante: os lotes de grandes indústrias são muito grandes, o que faz com que o número de vítimas, em caso de contaminação, possa ser muito maior. Os equipamentos nas fábricas por vezes são difíceis de limpar, e nesse caso, todo cuidado do colaborador é fundamental. O controle correto de tempo e temperaturas é outro ponto que merece toda a atenção. Para que todas estas etapas funcionem como um relógio (dos mais limpos), há, sim, uma necessidade de recursos materiais e de tempo (vale lembrar: tempo é um recurso dos mais preciosos!).

Há até quem negligencie a segurança dos alimentos conscientemente. Para muitos, é mais fácil contar com a sorte do que investir para garantir a segurança de seus produtos. Neste caso, não há sequer palavras para descrever quem põe vidas em risco em troca de mais lucro. Além disso, o tiro pode sair pela culatra, inclusive financeiramente. Ao ser denunciada falha de segurança e no produto, consumidores podem optar por não voltar a comprá-lo, prejudicando assim a saúde financeira da empresa, como já ocorreu várias vezes.

O que jamais pode-se perder de vista é que o direito a alimentos seguros é um valor universal. O ato de se alimentar de forma segura deve ser tratado como algo quase sagrado. A preparação de nossa comida, então, precisa ter o mesmo tratamento. As práticas e recursos necessários para garantir esta paz na consciência devem ser prioridade de todos os fabricantes e manipuladores de alimentos, independentemente de seu porte ou momento na cadeia de produção. Juntos, podemos minimizar os riscos da contaminação de comidas e evitar casos como o de Kevin.

(*) Ellen Lopes atua há 40 anos em todos os elos da cadeia de alimentos, desde a indústria, foodservice, varejo, até estocagem e distribuição. É mestre e Ph.D. em Ciência dos Alimentos pela USP, Especialista em Cultura de Segurança de Alimentos e fundadora da Food Design Consultoria.

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