Mulher afirma que deixou unidade com apenas uma criança, apesar de exames indicarem gravidez de gêmeos. Hospital afirma que houve “erro” nos exames.
Por Carolina Cruz e Afonso Ferreira, G1 DF
Carla Patrícia Furtado suspeita que a irmã gêmea da filha, Jéssica Furtado, foi furtada no HFA — Foto: Reprodução/ Arquivo Pessoal
Há 23 anos, a gestora de negócios Carla Patricia Furtado vive com a certeza de que tem uma filha que nunca conheceu. Hoje, aos 48 anos de idade, tenta reabrir um processo para apurar o suposto furto de uma das filhas gêmeas após parto no Hospital das Forças Armadas (HFA), no Distrito Federal, em 1996.
O caso está atualmente arquivado após sindicância do HFA. Segundo o hospital, as apurações concluíram que houve “erro” em exames e que a mulher estava grávida de apenas uma criança (veja mais abaixo).
A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) investiga a denúncia, registrada nesta quinta-feira (19), na 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro). A ocorrência é de desaparecimento de pessoa.
Segundo a delegada-chefe da 3ª DP, Cláudia Alcântara, testemunhas já estão sendo ouvidas nesta sexta-feira (20).
“Vamos pedir para a Justiça Militar uma cópia do processo que foi arquivado na época.”
Delegada-chefe da 3ª DP, Claudia Alcântara — Foto: Isabella Formiga/G1
Entenda o caso
Carla chegou ao HFA no dia 16 de fevereiro daquele ano, com a expectativa de dar à luz a duas meninas. Três ecografias realizadas as vésperas da cesárea, na mesma instituição, confirmavam a gestação das gêmeas.
Após o parto, no entanto, ela recebeu a informação das enfermeiras de que houve “erro na ecografia” e que estava grávida apenas de uma menina.
De acordo com Carla, a informação foi questionada pela avó das crianças, hoje falecida. A mãe da gestante disse que, durante o processo de recuperação do parto, chegou a ver as duas meninas.
“Eu passei mal com muita dor após o parto e, nesse período, não podia ver as crianças na encubadora nos dois primeiros dias. Minha mãe foi me visitar e uma enfermeira mostrou duas crianças. Ela até comentou comigo que eram lindas”, conta Carla.
A mãe afirma que, no momento em que já conseguia caminhar, foi até a sala onde estavam os bebês e a equipe de funcionários informou que ela tinha dado à luz a apenas uma criança.
“Eu perguntei: Como assim? Eu tenho a ecografia! Eles me responderam que houve um erro no exame”, contou.
Ao sair do hospital, recebeu um prontuário que comprova as contradições. Consta nas anotações “trabalho de parto gemelar” e “gestação gemelar”.
Ficha de internação e alta de mulher que deu à luz a uma menina indicava gestação de gêmeos — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Dúvida
Na época, a mãe recebeu alta levando uma filha, mas as dúvidas persistiam. As suspeitas aumentaram após Carla ser abordada por uma das funcionárias do HFA durante um percurso de ônibus até o hospital, cerca de sete meses depois.
“Eu estava conversando sobre esse caso no ônibus. De repente uma mulher levanta e me pergunta se o meu nome é Carla. Eu respondo que sim, e ela fala: ‘Sua filha está viva. A filha de um tenente faleceu e colocaram ela no lugar'”, alega.
A mulher que teria abordado Carla, segundo ela, se chama Maria Rodrigues da Silva, que faleceu alguns anos depois após uma cirurgia para retirar um mioma, operada também no HFA.
O G1 questionou a instituição sobre a ex-funcionária, mas não recebeu a resposta até a última atualização desta matéria.
Fachada do Hospital das Forças Armadas (HFA) no Cruzeiro, em Brasília — Foto: Google/Reprodução
Investigação
Na época do sumiço da filha, Carla tentou abrir uma ocorrência em uma delegacia da Polícia Civil. Contudo, como o suposto crime teria ocorrido no HFA, a lei determina que a competência da apuração é da Justiça Militar.
O caso foi divulgado pela imprensa na época, além de investigado em uma sindicância administrativa no HFA. Contudo a denúncia foi arquivada, com uma justificativa que repete a versão dos médicos: a de que houve erro na ecografia.
Durante a sindicância, Carla afirma que a família nem mesmo foi ouvida ou teve a oportunidade e levar uma testemunha. “Nunca nem fui chamada”, conta.
O que diz o HFA
A reportagem questionou o HFA sobre o caso. Em resposta, a instituição confirmou que a denúncia foi arquivada, mas negou que o caso tenha sido investigado sem ouvir ambas as partes.
“Na época, foram abertos uma sindicância e um Inquérito Policial Militar nos quais foram ouvidos todos os integrantes da equipe médica que presenciaram o parto da Sra. Carla e atestaram o nascimento de apenas uma criança”, afirmou em nota.
O comunicado destaca ainda que foi considerada a versão de uma testemunha, contudo, apresentada contra a denunciante.
“A prova testemunhal revelou que a paciente estava consciente e tomou conhecimento do fato ainda no centro cirúrgico. Especialistas na área de Obstetrícia confirmaram ser possível a emissão de pareceres equivocados em exames de imagem pré-natal”, informou a instituição.
Esperança
Após ter o processo na Justiça arquivado, Carla conta que se sentiu de mãos atadas para continuar procurando a gêmea. “Eu falei para a minha filha: ‘Se a sua irmã gêmea estiver viva, Deus vai colocar ela do seu lado um dia. Eu não consigo mais correr atrás”, conta.
A vontade de reabrir um processo surgiu após a família ter acesso a reportagem publicada no G1, que conta a história de uma mulher grávida que confirmou a gestação de gêmeos em ecografia, mas recebeu apenas um bebê.
O caso ocorreu em Goiás, neste ano, e o suposto furto da criança teria ocorrido no Hospital Municipal Antônio Martins da Costa, em Quirinópolis, região sul do estado.
Por G1/DF