Arquiteta é ré por triplo homicídio; ela nega acusações. Em 2009, pai, mãe e empregada foram mortos a facadas em região nobre de Brasília.
O júri popular da arquiteta Adriana Villela, acusada de ser mandante do assassinato do pai, da mãe e da empregada em 2009, começou às 11h04 desta segunda-feira (23), em Brasília.
A expectativa é de que quatro testemunhas de acusação sejam ouvidas até o fim de segunda (veja a ordem do julgamento no fim da reportagem).
Esta é a primeira vez que ela se senta no banco dos réus, 3.678 dias depois daquele que ficou conhecido como “crime da 113 Sul”, em referência ao endereço onde a família morava.
A sala do Tribunal do Júri foi reservada desta segunda (23) até sexta-feira (27), mas o veredito pode sair antes, segundo o Tribunal de Justiça do DF.
A primeira testemunha ouvida foi a delegada Mabel Faria Corrêa, que comandou parte das investigações do caso (veja mais abaixo). Ela assumiu a apuração após o afastamento da delegada Martha Vargas, acusada de diversas irregularidades na condução do inquérito.
O que está em jogo
Adriana Villela, de 55 anos, é ré por triplo homicídio em um processo com mais de 20 mil páginas. No dia do crime, no sexto andar do bloco C da 113 Sul, quadra nobre de Brasília, foram assassinados:
- o pai dela, José Guilherme Villela, 73 anos, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com 38 facadas;
- a mãe dela, Maria Carvalho Mendes Villela, 69 anos, advogada, com 12 facadas;
- a empregada doméstica da família, Francisca Nascimento da Silva, 58 anos, com 23 facadas.
Adriana sempre negou todas as acusações. A defesa dela argumenta que o “processo é uma distorção psicológica feita pelo Ministério Público”. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, alega que uma “linha do tempo” feita pela defesa comprova todos os passos da acusada no dia do crime.
Já o MP sempre disse ter convicção de que Adriana esteve na cena do crime e foi a mandante dos três assassinatos. Para a acusação, o laudo comprova a presença de impressões digitais dela em um dos cômodos do apartamento da família.
O julgamento
Adriana Villela chegou ao tribunal por volta das 9h, vestida de preto, acompanhada da filha, do irmão e de amigos. Minutos depois, postou em uma rede social a foto de uma vela com a imagem de São Expedito sobre uma das páginas do processo.
Na mesma rede social, ela disse que o julgamento é a “oportunidade de esclarecer” quem é ela e a família. A arquiteta também agradeceu o apoio dos amigos.
O julgamento segue a seguinte ordem:
- Leitura das peças do processo;
- Depoimento das testemunhas de acusação e, em seguida, da defesa;
- Interrogatório da ré;
- Debates entre a promotoria e a defesa;
- Votação pelos jurados;
- Leitura da sentença.
A acusação convocou 17 testemunhas para o julgamento. A defesa, 22. Na semana passada, a defesa de Adriana Villela recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a suspensão do júri popular, mas o pedido foi recusado pelo ministro Gilmar Mendes.
As testemunhas
A primeira testemunha ouvida, a pedido da acusação, foi a delegada aposentada Mabel Faria Corrêa, que chefiava a Coordenação de Crimes Contra a Vida (Corvida) na época. “Nunca tinha me deparado com uma investigação tão ruim”, disse.
Ela assumiu as investigações após o afastamento de Martha Vargas, que usou uma vidente para guiar as investigações. Segundo Mabel, a vidente Rosa Maria Jaques passou informações equivocadas e mentiu para Martha Vargas, o que comprometeu as apurações iniciais.
De acordo com a delegada, um dos condenados pela execução do assassinato confirmou a presença de Adriana Villela no apartamento das vítimas, no dia do crime.
Em depoimento, Paulo Cardoso Santana disse que o ex-ministro do TSE José Guilherme Villela afirmou: “Minha filha, você envolvida nisso?”.
Ainda de acordo com a versão dele, Adriana Villela teria respondido: “Vai para o inferno, eu te odeio”. Em seguida, ela teria mandado os assassinos cometerem os crimes.
A delegada Mabel Faria disse também que Adriana Villela tinha desentendimentos com os pais por conta de dinheiro. Segundo a policial aposentada, um laudo psiquiátrico apontou que a arquiteta não demonstrava empatia.
“Esse laudo dizia que não havia ressonância afetiva nenhuma de Adriana Villela com os pais”, disse.
Como funciona o júri
O Tribunal do Júri é composto pelo presidente e 25 jurados. Os nomes dos 17 que se apresentaram – pessoas comuns, sem formação em direito, necessariamente – foram colocados em uma urna. Os celulares deles foram recolhidos por volta das 10h30.
Tanto a defesa quanto a acusação puderam descartar, cada uma, três jurados. A defesa recusou três; a acusação, um.
Dos jurados que restaram, sete foram sorteados para compor o conselho de sentença, que vai declarar se a ré é culpada ou inocente: quatro mulheres e três homens. O resultado do julgamento será definido por maioria.
Após o sorteio, os jurados selecionados ficarão incomunicáveis até o fim do júri, não podendo falar com outras pessoas nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do conselho.
No caso do júri de Adriana Villela, está previsto que a sessão se estenda por quase uma semana, mas os jurados não poderão voltar para casa. Eles vão dormir, comer e cuidar da higiene pessoal nas dependências do tribunal, sob acompanhamento constante.
Crime da 113 Sul
Os corpos de José Guilherme Villela, Maria Carvalho Mendes Villela e Francisca Nascimento Silva foram achados, já em estado de decomposição, em 31 de agosto de 2009, na Asa Sul.
A perícia demonstrou que eles foram assassinados em 28 de agosto de 2009, por volta das 19h15.
Os corpos foram descobertos por uma neta do casal, filha de Adriana, que afirmou à polícia que os avós não tinham aparecido no escritório de advocacia que mantinham em Brasília. A jovem abriu o apartamento com a ajuda de um chaveiro.
Os corpos do ex-ministro do TSE e de Francisca foram encontrados na área de serviço do apartamento. O corpo de Maria estava em um corredor do imóvel. A perícia demonstrou que José Guilherme Villela foi o último a morrer.
Crime da 113 Sul: perícia realizada em 2009 no apartamento onde morreram José Guilherme Villela, Maria Carvalho Villela e Francisca Nascimento Silva — Foto: TV Globo/Reprodução
Condenações
Em júri popular encerrado em 2013, os acusados de executar o homicídio foram condenados a mais de 55 anos de prisão pelos crimes de homicídio qualificado e furto qualificado.
O julgamento durou quatro dias. Durante o processo, ambos negaram envolvimento no crime.
Já a delegada Martha Vargas, que coordenou a investigação do caso, foi condenada a 16 anos de reclusão pelos crimes de falsidade ideológica, fraude processual, tortura e violação de sigilo funcional.
A investigação do Ministério Público apontou que, ao longo de oito meses, a delegada se baseou em informações de uma vidente para dar andamento às investigações. Além disso, segundo o Ministério Público, ela teria ordenado “tortura física e psicológica” para que os suspeitos confessassem os crimes.
A defesa de Martha Vargas sempre negou as acusações. O advogado dela, Paulo Suzano, já chamou as alegações do MP de “conversa fiada” e a decisão do TJ de “sentença medonha”.
Fonte: Afonso Ferreira, G1 DF