Longe de acordo, Flamengo e MPT têm nova audiência de conciliação na segunda: “A coisa esfriou”

— Foto: Infoesporte

Ação insiste em bloqueio de R$ 100 milhões do clube da Gávea: “Daqui a vários anos quando sair a indenização vai haver fluxo de caixa?”, questiona procuradora Danielle Cramer

Por Raphael Zarko — Rio de Janeiro

Danielle Cramer, do Ministério Público do Trabalho, em entrevista de fevereiro: procuradora coordena força-tarefa que fiscaliza clubes — Foto: Raphael Zarko

Danielle Cramer, do Ministério Público do Trabalho, em entrevista de fevereiro: procuradora coordena força-tarefa que fiscaliza clubes — Foto: Raphael Zarko

Há seis meses envolvida diretamente na força-tarefa de fiscalizações e investigações de irregularidades em categorias de base no futebol brasileiro, a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Danielle Cramer, se prepara para mais um encontro com o Flamengo sem esperanças de entendimento.

Na segunda-feira, às 10h, na sede do TRT, no centro do Rio, há mais uma audiência de conciliação com o departamento jurídico do Rubro-Negro. Em pauta, ação que corre desde fevereiro, que pede bloqueio de R$ 100 milhões dos cofres do clube da Gávea.

A ação é para reservar verba para indenizações, muitas delas em discussão na Justiça, com advogados das famílias. Seis meses depois das 10 mortes em incêndio no Ninho do Urubu, o Flamengo fez acordo com duas famílias (de Áthila Paixão e de Gedinho), além do pai de Rykelmo.

A mãe do garoto Rykelmo, com a advogada Gislaine Nunes, pede R$ 6.9 milhões de indenização e a anulação do acordo com o lado paterno na Justiça. Os acertos já realizados têm cláusula de confidencialidade.

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O GloboEsporte.com apurou, no entanto, que o montante é menos da metade do que é pedido pelas sete famílias restantes. Além disso, as famílias que ainda pedem indenização desejam pensão do Flamengo por 30 anos.

Confira a entrevista com Danielle Cramer, procuradora do Trabalho:

Seis meses depois da tragédia do Ninho, em que pé estão as ações do MPT com o Flamengo?

Continuamos atuando em duas frentes. Uma delas ainda visando ao pagamento de indenização das vítimas do incêndio. Incluindo trabalhadores do clube. A outra é a ação que diz respeito meio ambiente de trabalho, sobre a legislação trabalhista. A ação cautelar foi proposta em fevereiro. Pedimos bloqueio de bens de R$ 100 milhões para fazer frente a todas as despesas previstas.

São R$ 57 milhões apenas para as famílias das 10 vítimas fatais. Mas há ainda vítimas não fatais, indenização por dano moral coletivo, despesas do processo, etc. Por isso estimamos o bloqueio em R$ 100 milhões para fazer frente a todas essas despesas. O que sobrasse, retornaria para o clube.

Como estão essas negociações? Como foram esses últimos contatos com o Flamengo?

Não sei se vamos chegar a um acordo. Na próxima segunda teremos nova audiência de conciliação. Sentamos já algumas vezes, mas não tivemos avanços nem retrocessos. Honestamente achamos que está difícil (haver entendimento). A discrepância de valores é muito grande. Falando popularmente, a coisa esfriou.

Era muito mais fácil conseguir acordo no calor do momento, quando estava sendo debatido na mídia e a sociedade estava mais sensibilizada. Essa ação cautelar é ainda preparatória da ação principal. É para bloquear os valores para atender as famílias. Acho que perdeu o timing para esse bloqueio. Passou tanto tempo sem nada bloqueado…

Mesmo sem negociação intermediada pelo MPT, esse bloqueio atenderia as famílias?

Sim, a ideia é justamente garantir que os valores negociados pelas famílias sejam reservados. Entendemos que o bloqueio de bens é a forma mais efetiva para atendê-los. Hoje o Flamengo é superavitário. Mas a saúde financeira dos clubes é oscilante. Será que daqui a vários anos quando sair a indenização vai haver fluxo de caixa suficiente para fazer esses pagamentos?

Os valores envolvidos ainda são os mesmos?

Nosso pedido é o mesmo. Em junho, o Flamengo não tinha valores para nos apresentar. Adiamos a audiência para agosto (esta de segunda). Nós entendemos que não podemos mudar de parâmetros mínimos que já foram passados para as famílias. Se alguém pode aceitar menos são as famílias. Não somos nós.

O Flamengo na ocasião ofereceu R$ 150 mil por membro de família. Nas famílias menores variava de R$ 300 mil a R$ 400 mil. Nós propusemos R$ 2 milhões, independentemente do número de familiares

Incêndio que matou dez jovens no Ninho do Urubu completa 6 meses, ainda sem acordo entre famílias e Flamengo

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O que foi feito em outras frentes?

Temos reunião marcada com a CBF para o dia 21 de agosto. Com a cúpula da CBF, que foi o que pedimos. Queremos um rigor maior para o certificado de clube formador. Queremos discutir, no legislativo, e já temos alguns projetos de lei sendo debatidos na Câmara e no Senado, para tratar de maneira mais específica condições de centro de treinamento para a base. Aqui no Rio também vamos ter encontro com a FERJ.

Quando diz maior rigor, que tipo de mudanças?

Por exemplo, não podem certificar clube formador que aloja atletas em contêineres, como era o caso do Flamengo, que usava ali de moradia há dois anos. A validade máxima é de dois anos do clube formador. Não pode ser renovação automática. Tem que ser feita verificação cuidadosa para ver como estão as coisas. No nosso entendimento falhou a CBF ao renovar o certificado do Flamengo. Não é só apresentar os documentos e ter a renovação.

O que pode ser incluído para liberar o certificado?

Tem que se discutir as adequações dos CTs. Há parâmetros legais vigentes para dormitórios. Tem que ter dimensões específicas para alojamento. A porta não pode ser de correr, tem que abrir para fora, como em qualquer alojamento de trabalhadores. Tem que ter treinamento de funcionários para prestar socorro em eventual princípio de incêndio.

Houve avanços no Flamengo?

As condições de trabalho melhoraram significativamente. Inclusive no treinamento com pessoal do clube. Há questões pontuais que ainda faltam, como algo que estamos discutindo nos clubes que os adolescentes têm privado convivência familiar. Não conseguem ver família com frequência, somente uma vez por ano. É um direito previsto em constituição o da convivência familiar.

O que os clubes alegam nestes casos?

Falam que é custoso, que o calendário de jogos impede visitas mais frequentes. É uma cultura que estamos tentando mudar. É preciso mudar a forma de enxergar o adolescente. Não pode ser visto como mão de obra lucrativa.

Existem ações em andamentos em outros clubes. O que tem sido feito? O colégio do Vasco, por exemplo, está em greve.

Fui no Vasco em 2012 e fui agora. Vi o quanto melhorou. Mas também há questões pontuais a serem ajustadas. Como estas de convivência familiar, comunitária. Você falou do colégio, as condições do colégio são muito ruins. A parte da educação do Vasco precisa melhorar.

Não existe o orientador pedagógico que possa acompanhar. Eles têm acompanhamento de frequência escolar, mas não necessariamente para verificar o bom desempenho escolar. O acompanhamento psicológico visa a performance, mas não as angústias naturais da criança, do adolescente.

Existe um prazo para adequações?

Existem relatórios e laudos técnicos e a partir desses laudos os clubes estão sendo demandados a promover as adequações. Caso não façam vamos entrar com as ações na Justiça. Estimamos (este prazo) até o fim do ano para as questões serem resolvidas.

Mas há riscos envolvidos?

Não, nada que justifique as interdições dos CTs. No caso das interdições, não foi o MPT que recomendou. Foi medida cautelar do Ministério Público do Estado do Rio.

Fonte: GE

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