NO PÁTIO

Por: Paulo Castelo Branco

Por Paulo Castelo Branco

No seu primeiro dia de sol no pátio, depois do período isolado dos demais
internos, e ainda sem visitas permitidas, Adelino sentou-se ao lado de Raul
em um dos bancos de concreto, enquanto os demais internos
caminhavam, faziam exercícios físicos ou jogavam palitinhos valendo
cigarros.

  • Qual o seu artigo do Código Penal, perguntou Raul. Adelino,
    desinformado, respondeu que atropelou e matou um ciclista em via
    pública , mesmo sem estar em alta velocidade com o caminhão que
    comprara naquele dia para iniciar uma nova vida, após trinta e cinco anos
    de trabalho em uma repartição pública sem nenhuma punição, ao
    contrário, fez ótima carreira e saiu com reconhecimento do serviço
    público.
    A aposentadoria era boa e daria para não fazer nada, se quisesse. O
    caminhão lhe foi entregue na manhã do dia do fatídico evento, após um
    churrasco prolongado com os amigos, até a madrugada. No local do
    atropelamento, o policial solicitou que fizesse o teste de alcoolemia que,
    para sua surpresa, deu positivo. Alegou ao policial que não havia bebido
    naquela manhã, mas o resultado estava lá mostrando o índice acima do
    permitido. Preso e submetido à audiência de custódia, foi determinada a
    manutenção da prisão.
    Raul, atencioso, disse que a vida tem seus percalços e que logo o
    cumprimento da pena seria em regime aberto e poderia voltar à família e
    ao seu trabalho, reforçando: o dia começa na primeira hora e não ao
    nascer do sol.
    A sirene tocou forte. Despediram-se e voltaram para suas celas.
    A noite começou com o pôr do sol. Sorriu. É verdade, o dia começa na
    primeira hora e não no despontar da manhã, pensou antes da oração que
    fazia desde a infância.
    No café, reencontrou-se com Raul. Saíram e foram para o pátio.
    Caminharam juntos em volta da quadra onde outros internos jogavam
    futebol.

Adelino perguntou ao colega o que ele fazia antes de ser preso. Raul,
respondeu: – Eu era só um menino abandonado pelos pais. Certo dia, no
supermercado, peguei um sanduíche, um iogurte, comecei a comer ali
mesmo. Antes de engolir tudo, levei um tapa na orelha e caí no chão.
Reagi me defendendo com uma garrafa de cerveja quebrada e feri o
segurança. Fui levado à delegacia e, menor de idade, fui internado num
centro de proteção às crianças e adolescentes. Passava o dia
vagabundeando e aprendendo os segredos do mundo do crime. Quando
saí, arranjei um trabalho de olheiro; recebia casa, comida, roupa de grife e
uma beliche num alojamento da comunidade.
Cresci dentro da organização até ser escolhido para o grupo de assaltantes
de banco. Corria tudo bem, ninguém reagia; os riscos eram mínimos e os
ganhos altos.
Numa investida à uma agência, um segurança reagiu e o matei com uma
rajada de submetralhadora. Na troca de tiros, alguns clientes também
foram feridos. Eu, baleado, cai no chão e só acordei na maca de um
hospital, algemado com as duas mãos presas às laterais da maca.
Peguei trinta anos em regime fechado. Aqui encontrei paz. Fui
considerado interno com alto grau de periculosidade e vivia separado dos
demais presos. Estudei, acabei o segundo grau e estou me preparando
para fazer vestibular. Não sei se terei tempo de exercer uma profissão,
mas, de qualquer forma, agora, adulto, desejo ter a oportunidade de ter
trabalho e constituir família.
A sirene tocou e nos colocamos em fila. Raul, completou: – Adelino, a vida
é assim, não interessa quem você é: se matou alguém, é assassino igual
aos outros.

Brasília, 07 de junho de 2020.
Paulo Castelo Branco.

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