Força Expedicionária Brasileira
Por: Flávio Noronha
Poucos brasileiros sabem que 73 enfermeiras brasileiras participaram da 2ª. Guerra Mundial – a mais cruel e sangrenta já experimentada pelo mundo – integrando a Força Expedicionária Brasileira nos campos conflagrados da Itália, sendo 67 do Exército e 6 da Aeronáutica.
A história da atuação das Mulheres Febianas, todas voluntárias para o serviço militar, engrandece a nação brasileira e merece ser rememorada, haja vista serem elas exemplos de abnegação, amor ao próximo e patriotismo, características reconhecidas pelos civis, moradores das cidades onde localizavam-se seus hospitais-base; pelos próprios inimigos feridos e capturados, entregues aos seus cuidados; e, muito especialmente, pelos pracinhas brasileiros, que viram nelas qualidades muito além das de cuidadoras de sua saúde e integridade física, mas de amigas, psicólogas, irmãs de sofrimento e familiares por adoção.
Estas brilhantes enfermeiras – praticamente desconhecidas pelo povo brasileiro – deixaram o conforto de suas casas para enfrentar as agruras e incertezas do front febril, por amor aos que viriam a ser seus próximos…
Até então, enfermeiras não participavam do Exército Brasileiro, à exceção de algumas que atuavam no Hospital Militar do Rio de Janeiro, com atendimento dirigido a civis. Poucas tinham formação de alto padrão ou sequer o curso da Cruz Vermelha.
Diante da declaração de guerra pelo governo brasileiro e da junção do País às Forças Aliadas, Getúlio Vargas promulgou decreto que criou, para a reserva do Exército, um Quadro de Enfermeiras, o que abriu as portas para a integração de notáveis brasileiras à Força Expedicionária Brasileira.
Aliás, a 2ª. Guerra Mundial contou com expressiva participação feminina, representada por pilotas alemãs e francesas, mecânicas inglesas, enfermeiras americanas e brasileiras.
Dentre as nossas representantes, uma merece especial destaque: a Capitão-Enfermeira Aracy Arnaud Sampaio, uma das raras diplomadas em enfermagem, nascida em Barreiras, na Bahia, no ano de 1917.
Descendente direta do General Sampaio – patrono da infantaria brasileira e herói da Guerra do Paraguai, cujo nome honrava um dos três regimentos que integraram a Primeira Divisão de Infantaria Expedicionária da FEB, o Regimento Sampaio, do Rio de Janeiro – sua experiência profissional em Salvador, no Hospital Santa Izabel e no da Cruz Vermelha, atendendo a vítimas de torpedeamento pelos submarinos alemães nas costas da Bahia, foi de suma importância para a formação e a lapidação das demais voluntárias.
Exatamente no dia de seu 27º. aniversário, voou do Rio de Janeiro até a Europa, integrando-se ao 7º. Station Hospital em Livorno, Itália, local de atendimento de oficiais feridos, das Forças Aliadas.
Ali, emprestou suas mãos aos pacientes, para que estes escrevessem aos seus entes queridos, e sua voz, para ler e cantar para eles, alegrando-os e acelerando sua recuperação.
Em momento fatídico, Aracy sofreu forte revés em sua missão, ao ser lesionada por explosão ocorrida no pátio de seu hospital, a qual matou um “partigiani” e promoveu a perda parcial de sua audição, não a retirando, porém, de combate.
O dia 2 de setembro de 1945 significou o final da 2ª. Guerra Mundial. Para os brasileiros, entretanto, o dia 2 de maio é tido como o que nela encerrou sua participação. 8 de maio marcou a rendição alemã às Tropas Aliadas, tornando-o conhecido como o “Dia da Vitória”. Estas são as datas dos Febianos e de sua gloriosa história.
Em junho, Aracy e suas heroicas companheiras retornaram ao Brasil. Para sua tristeza, viu-se impedida de continuar na carreira militar, sendo reformada em razão de sua lesão de guerra, mas promovida ao posto de 1º. Tenente. 8 anos após, por direito conquistado judicialmente, recebeu a patente de Capitão.
A passagem para a reserva a motivou a trabalhar intensamente pelos direitos dos Febianos, pelo resgate histórico dos feitos das tropas brasileiras e pela disseminação do patriotismo que a moveu a dar-se incondicionalmente à defesa da paz mundial e, em especial, da pátria brasileira, contra as vis intenções de dominação de fascistas e nazistas.
Aos 91 anos faleceu em Brasília, o que ocorreu durante evento festivo dos Expedicionários – um dia após a comemoração da Independência do Brasil – ao lado de amigos, de familiares, de ex-combatentes, em meio a gente querida e gentil.
Parece ter pressentido a chegada do fim de sua jornada, haja vista ter escrito, um mês antes de sua partida, palavras de gratidão ao Criador, pela vida e pelos dons nela recebidos, concluindo seus escritos com belíssima frase, a qual encerra o seguinte texto, poetizado para adequadamente recebê-la:
“Como enfermeira em campos conflagrados,
Aracy Arnaud dedicou-se a intensos cuidados,
Aos que flertavam com a morte,
Vendo suas vidas sem um norte;
Sem a perspectiva de poderem retornar
Para suas famílias e ao aconchego do lar.
Tantas dores e tristezas compartilhadas,
Deixavam-na descrente e atribulada.
Sem direito, no demais,
A viver as próprias dores;
Os sofrimentos pessoais;
Os seus íntimos temores.
Diante da obrigação latente,
De inabalável parecer,
Para, nos seus pacientes,
A esperança não perecer.
Amor é a palavra que a tudo isto explica,
Que as atitudes de entrega, multiplica.
Amor voluntário, desmedido,
Doado sem contrário pedido,
Pelo qual a dor, que fere o coração
E desestrutura a alma,
Encontra sossego, afago e doação:
Remédios que acalmam.
Amor pela graça recebida,
Do dar a gente sofrida,
Tudo de si e muito além,
Sem se importar a quem.
Demonstração sentimental
Que flui naturalmente;
Doação silenciosa imaterial,
Que age positivamente;
Abrange o “ser humano”
Como à areia, o oceano,
Em todos os seus contornos
Sem esperar por retornos,
Tendo o infinito como o imaginário limite
Da compaixão, com amor, com todo apetite,
Por tomar as dores pelos mais próximos vividas
Como se dela fossem e por ela também sentidas.
Aracy viu chegar sua hora final,
Recebendo, de Deus, um sinal,
Para baixinho dizer ou simplesmente pensar,
Após, por sua mente, uma vida inteira passar,
E sua alma, livre a flutuar, como um colibri:
“OBRIGADA SENHOR, MARAVILHOSAMENTE EU VIVI!”