AMOR PROIBIDO

Por: Paulo Castelo Branco
Foto: Conceitos

Paulo Castelo Branco/Redação SOS BRASÍLIA

Resultado de imagem para AMOR PROIBIDO
ClicRBS


Quando meninos, eram vizinhos de casa. Kalil e Naim estudavam na mesma escola, jogavam futebol e conversavam longamente sobre o futuro. Ficavam sentados numa mureta que dividia o pequeno jardim das casas.
Kalil cuidava de uma pequena horta, enquanto Naim havia transformado a área do jardim em canteiro de flores.
Um ajudava o outro nas atividades e trocavam suas plantações. Enquanto Kalil oferecia verduras e legumes, Naim retribuía com arranjos de flores variadas.
Os pais de ambos adoravam a amizade e os incentivavam à leitura e às pesquisas sobre a rica história dos antepassados.
Kalil e Naim tinham 12 anos de idade e faziam aniversários quase na mesma data; um no dia 31 de dezembro e o outro em 1º de janeiro. Faziam a comemoração juntos com os pais e amigos. Festas simples, como era comum antes da guerra começar.
As notícias de protestos contra o ditador ficaram constantes, e a repressão das forças policiais do governo contra a população se tornavam violentas causando prisões, torturas, mortos e feridos.
Na escola da pequena cidade, em que viviam as crianças, os rumores de guerra civil cresciam. Pais, professores e políticos convocavam os moradores a decidirem o que fazer se os conflitos se estendessem pelo resto do país.
Os meninos, apreensivos, não mais brincavam nas ruas. Depois de cuidar das tarefas e da manutenção das plantações, se recolhiam dentro de casa lendo, criando brincadeiras, rezando e conversando. Debatiam sobre a guerra civil, esperando que logo tudo terminasse. Assistir televisão, para eles, era proibido, para protegê-los das cenas escabrosas que dominavam a programação diária.
Os adultos filtravam as notícias, afirmando que as informações eram de que as grandes potências estavam instando os revolucionários e as forças do governo a formalizar o fim do conflito.
As tentativas foram infrutíferas. No país fragmentado surgiu um grupo de fanáticos religiosos que interpretavam o Islã de forma equivocada e desejavam implantar um califado em áreas desprotegidas pelo governo que se dedicava a enfrentar os inimigos.
A cidade de Kalil e Naim foi uma delas. Durante a ocupação da área pelo novo grupo, o governo reagiu com bombardeios atingindo mais civis do que os adversários. O medo tomou conta de todos, e a tragédia se instalou em poucos dias.
Numa noite, a cidade ficou às escuras e silenciosa. Um míssil atingiu um dos prédios ocupados pelos insurgentes, que eram contra tudo e todos. No ataque, a casa de Kalil foi destruída e seus pais mortos. Neste dia, o jovem só escapou porque dormia no quarto de Naim. Pela manhã, a tristeza tomou conta dos amigos. Choro, orações e os corpos sendo levados para o cemitério nas mãos de moradores.
A solidariedade dos vizinhos acolheu Kalil. A casa de Naim, de cômodos pequenos, obrigou a divisão do espaço pelos dois amigos. A pequena cama de solteiro servia para tornar a amizade mais próxima.
O grupo, dito religiosos, destituiu o prefeito e seus auxiliares, executando-os cruelmente na praça da cidade. Homens encapuzados usavam longas e afiadas facas para decapitar os prisioneiros.
A brutalidade passou a ser a lei. Quem desobedecesse aos preceitos religiosos exigidos eram executados. Mulheres, até então relativamente livres, passaram a usar burcas. O silêncio fazia parte da vida comum. Nada de televisão, rádio, redes sociais ou outros meios de comunicação.
Passaram-se dois anos com sustos diários por bombardeiros; ora realizados por revolucionários contra o governo, ora pelo próprio governo. Do espaço, bombas e mísseis; em terra, terror e tristeza. Parecia que aviões do governo, seguindo para locais onde seconcentravam lutas intensas, na passagem, deixavam cair duas ou três bombas de pequeno poder ofensivo, mas que tornavam a vida mais difícil. Kalil e Naim treinavam lutas marciais e planejavam defesas e fugas para ocasiões que considerassem perigosas.
Os dois amigos se consolavam com o trágico destino que tolhia suas vidas ainda no esplendor. Kalil às vezes se irritava com as forças dos militares do governo. Naim dizia que a vida era melhor quando a ditadura existia. Kalil retrucava que, se seguissem a ordem dos insurgentes, poderiam, ao longo do tempo, moderar ânimos e retornar aos costumes milenares que existiam antes da intromissão de governos estrangeiros. Naim ponderava que, num sistema democrático a ser instalado após a queda do ditador, tudo seria como na Europa e nos Estados Unidos. As divergências entre os dois foram aumentando e só cessavam quando iam dormir. Amedrontados, se abraçavam, faziam orações e pediam ao seu deus que os mantivesse unidos para sempre.
O pai, ao vistoriar a casa à noite, ouvia sussurros como se os meninos estivem conversando em voz baixa para não incomodar a família.
Mesmo com a instalação do novo regime, a cidade funcionava. Na escola, tanto Kalil, quanto Naim apresentavam bons resultados e não tinham problemas com os guardas fortemente armados que patrulhavam as ruas. Já o pai de Naim não se conformava com o controle que o governo exigia das mulheres. Fora repreendido pelo chefe da guarda que o avisara que na próxima vez que reclamasse respeito à esposa seria castigado. Controlou-se durante meses até que sua esposa foi destratada por um militar de passagem pela cidade. O militar empurrou a mulher, e o pai reagiu esmurrando o homem. Outro soldado, do outro lado da rua, atirou no casal, matando-os.
Os jovens, amedrontados e desiludidos, deixaram a escola e passavam os dias orando para que a intervenção dos revoltosos acabasse logo. Só saiam às ruas para conseguir alimentos. Dia após dia sentiram que estavam unidos pelo resto da vida. Dormiam juntos, trocavam carícias sentindo algo diferente e inusual em seus costumes.
Certo dia, Naim levantou-se para preparar o café da manhã. Khalil não estava na cama, e o amigo imaginou que estivesse verificando o ambiente hostil do lado de fora. Naim chamou Khalil, mas não recebeu resposta. Voltou ao quarto e, sobre um caixote que servia de criado mudo, encontrou um envelope. Abriu e leu um breve bilhete que dizia: Meu amor e companheiro eterno. Cansei de ficar trancado em casa sem poder nos proteger. Vou juntar-me às forças religiosas para lutar por nossas tradições. Chega de ditadura! Kalil.
Naim ajoelhou-se chorando e orou por horas, até a noite chegar. Ali, prostrado no pequeno tapete, adormeceu. Ao amanhecer, voltou a chorar, mas sentiu que precisava retomar a vida e
decidiu que fugiria da cidade, e iria ao encontro do exército que lutava contra a ditadura e contra os fanáticos religiosos.
No front, tanto Kalil como Naim se destacaram como destemidos e, logo, alcançaram funções de lideranças entre a tropa. Longos meses se passaram com a ajuda de nações estrangeiras que abasteciam de armas cada grupo, as baixas entre os fanáticos foram crescendo. Kalil se transformou num executor de sentenças de morte de revolucionários e forças aliadas ao governo do ditador. Aparecia nas telas de televisões com suas vestes negras e sua adaga em punho. Mostrava-se orgulhoso do seu desempenho. A luta era fraticida e cruel.
Naim também galgou postos entre os revolucionários e tornou-se piloto de aviões-caça. Seu trabalho era cuidadoso para não atingir a população civil. Podia matar centenas de pessoas em suas missões, mas não sentia a terrível luta de Kalil que combatia em terra; seu coração era insensível aos massacres.
Naim, em seu caça, foi abatido pelos fanáticos. Escapou saltando de paraquedas. Foi aprisionado por um grupo de militantes. Todos de rostos cobertos. De mãos amarradas, olhos vendados e agredido com socos e espetadas de punhal, Naim foi colocado numa trincheira já ocupada por outros prisioneiros. O mal cheiro era insuportável. Não havia água ou comida.
Na primeira noite, acordou com uma mão que o acariciava. Coração palpitante, lembranças e saudade. Kalil retirou-lhe as vendas. Os olhares se cruzaram, e a chama do amor renasceu.
Em silêncio, aos beijos, lágrimas e dores, se amaram loucamente. Foram alguns minutos de prazer e amor.
Adormeceram abraçados. Ao clarear do dia, guardas os flagraram. Aos gritos de infiéis, após torturas físicas que causavam dores imensas, com os olhos vendados foram levados para execução. Subiram uma estreita escada em círculos. Subiram degraus intermináveis até o topo de um minarete. Um ao lado do outro, foram despidos, vendas arrancadas, tiveram seus órgãos genitais seccionados e sentiram o corte frio na garganta; em seguida foram do minarete. Só ouviram o coro de militares: – Infiéis! Infiéis! Infiéis!!!


Despencando, cabeças pendentes, olhos nos olhos, deram-se as mãos e planaram em direção à liberdade e ao infinito.

Brasília, 24 DE JANEIRO DE 2020
Paulo Castelo Branco.

COMPARTILHE AGORA:

Leia também