Ex-primeira-dama do Brasil, a mineira desempenhou importante papel na construção de Brasília e foi idealizadora do museu mais famoso da capital
ANA LUIZA VINHOTE, DA AGÊNCIA BRASÍLIA
Elegante, perfeccionista, carismática, acessível, extrovertida, determinada, corajosa. Essas são algumas das qualidades que Sarah Kubitschek arranca de familiares, amigos e ex-funcionários. A ex-primeira-dama do Brasil (entre 1956 e 1961) desempenhou importante papel na construção da nova capital e foi idealizadora do museu mais famoso de Brasília, o Memorial JK. Dona Sarah, como era conhecida, também dedicou sua vida a projetos sociais que mudaram a vida de milhares de pessoas carentes.
Sarah Luiza Gomes de Lemos nasceu em 5 de outubro de 1908, em Belo Horizonte. Integrante de uma das famílias mais tradicionais de Minas Gerais, a política começou a fazer parte de sua vida desde a infância. O pai foi deputado federal e, aos 18 anos, ela conheceu o jovem médico Juscelino Kubitschek em uma festa. Noivaram, terminaram – devido a um curso de especialização que JK faria na Europa – e reataram. Em 31 de dezembro de 1930, eles se casaram e anos depois tiveram duas filhas: Márcia e Maria Estela.
Algum tempo depois Juscelino disse a ela que recebera um convite para entrar na política. Mesmo não gostando da área, incentivou o marido a aceitar a proposta e, aos poucos, foi inserindo-se no meio. “Ela não gostava de política. Quando casou com o meu bisavô pediu para que ele nunca entrasse no meio”, lembra André Kubitschek, bisneto de Sarah.
Há quem diga que sem dona Sarah, a nova capital não existiria. André não só concorda, como lembra que a bisavó teve papel fundamental na concepção de Brasília. “A mudança que ele (JK) estava fazendo não era uma transformação qualquer. Era o progresso do Brasil. Meu bisavó sofreu muito com isso e minha bisavó esteve presente em todos os momentos. Ela sabia que o papel dela era muito importante nos anos de mandato dele”, conta.
Trabalho social
O trabalho social na vida da ex-primeira-dama da República começou quando JK assumiu o governo de Minas Gerais. A ideia da esposa de Juscelino era dar assistência social à crianças, mães, grávidas e famílias menos favorecidas da sociedade. Ela criou a Associação das Pioneiras Sociais e, tão logo o marido conquistou à Presidência da República, o projeto ganhou força.
Um dos maiores feitos da associação foi a criação do Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek, em 1960 – referência no atendimento de reabilitação no país. Atualmente, além da unidade em Brasília, há hospitais em outras capitais: Belo Horizonte, Belém, Fortaleza, Macapá, Salvador, São Luís e Rio de Janeiro. Dona Sarah decidiu criar o centro após os problemas de coluna da filha Márcia.
Outro pedido dela foi a construção da Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima, localizada na 307/308 Sul. O bisneto André relembra que o primeiro templo religioso faz parte de uma promessa de cura que a bisavó fez, caso a avó Márcia melhorasse de tuberculose. O local, projetado por Oscar Niemeyer e revestido com azulejos de Athos Bulcão, é um dos principais pontos turísticos de Brasília.
Outro ponto da capital que carrega o nome da ex-primeira-dama do Brasil é o Parque da Cidade Sarah Kubitschek, antes nomeado Rogério Pithon de Faria, filho do ex-governador Elmo Serejo Farias. Localizado na Asa Sul, o espaço é um dos centros de lazer ao ar livre de Brasília e conta com quadras de esportes; centro hípico; pistas de caminhada, patinação e ciclismo; e parque de diversões, entre outros.
Memorial JK
Um mês após a morte de JK em um acidente de carro, Sarah decidiu que construiria um memorial que perpetuasse a história daquele que ousou erguer Brasília no meio do Cerrado. Mesmo durante o regime militar, ela percorreu o país para arrecadar recursos e doações em prol da obra. O ato contou com o apoio de políticos, amigos e familiares. O então presidente João Figueiredo cedeu o terreno e Oscar Niemeyer fez o projeto.
A obra foi feita em 17 meses. São 120 metros de comprimento, 32 metros de largura e um pedestal de concreto armado de 28 metros de altura, de onde sai uma grande mão em forma de concha e protege a estátua em bronze, feita por Honório Peçanha, de onde JK acena para a cidade.
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Em 12 de setembro de 1981, data do aniversário de Juscelino, o Memorial JK foi inaugurado. O local reúne um acervo de relíquias que contam a história por trás da epopeia da cidade, da vida e obra do ex-presidente da República, uma reconstrução da biblioteca pessoal, a sala de metas para seu governo, maquetes, vestes e imagens da construção e inauguração da capital que no próximo mês completa 60 anos.
Os espelhos d’água, as rampas de acesso, e o verde do gramado e dos jardins emolduram o edifício monumental, todo em mármore branco contrastando com o céu da capital. No jardim, uma escultura de Dona Sarah abraçada ao presidente convida o visitante a conhecer um pouco da história do Brasil. Um pequeno monumento de granito negro reproduz uma das frases do ex-presidente. Às vésperas do aniversário do ano passado, o local passou por manutenção externa que deixou a fachada com cara de nova.
Eurícles Antônio de Oliveira, 65 anos, foi um dos primeiros funcionários do monumento e conviveu com Dona Sarah durante os anos de gestão da ex-primeira-dama à frente do Memorial.
“Ela sempre falava com a gente quando chegava e saía, à tarde, quando costumava vir. Muito chique e simpática, fazia questão de dar atenção especial aos funcionários. No final do ano reunia a gente no gabinete dela para desejar Feliz Natal e Ano Novo”, lembra o recepcionista.
Também na sala de Sarah, com jardim de inverno feito pelas mãos de Roberto Burle Marx e que guarda objetos pessoais e fotografias da época, é que os empregados do Memorial preparavam religiosamente uma festa surpresa para comemorar o aniversário da ex-primeira dama.
“Encomendávamos bolo, salgados, docinhos e refrigerantes para cantar parabéns para ela. Sabíamos que ela ficava muito feliz com esse carinho”, garante Eurícles, que também foi motorista dela.
Despedida
Sarah Kubitschek morreu em 4 de fevereiro de 1996 e sua partida deixou saudades. O bisneto André Kubitschek acredita que se tivesse tido a oportunidade de conviver com a bisavó a relação dos dois seria ótima. “Diziam que ela era uma pessoa bem humorada e eu também sou assim. Ao mesmo tempo que ela era super elegante, formal e alinhada, ela também era carismática, super família. Minha bisavó unia a imagem pessoal e social”, comenta.
Outro ponto que chamava a atenção, segundo André, era o sexto sentido para a política. “Ela sabia fazer essas leituras. Naquela época, infelizmente, a mulher ocupava papéis secundários nessa área, mas ela estava sempre ali advertindo riscos para o meu bisavô”, explica.
Autora do livro Todas as mulheres dos presidentes, junto com Murilo Fiuza, Ciça Guedes afirma que a atuação da ex-primeira-dama da República foi fundamental para que Juscelino conseguisse tirar suas propostas do papel. “Ele conseguiu cumprir 70% do plano de metas do seu governo. Isso é um feito histórico graças ao senso de cumprimento de prazo dela. Ela pegava no pé dele para que o que foi prometido fosse cumprido”, conta.