As Guerras pela Paz

Por: Flávio Noronha

Máquinas de guerra funcionando são, a um só tempo, fascinantes e motivadoras de profunda reflexão

 

Como são lindas as imagens, puras e simples ou contextualizadas, de imponentes caças rompendo a barreira do som; de robustos helicópteros disparando rajadas intermináveis de projéteis luminescentes; de tanques que fazem o chão tremer a cada acionamento; de navios postados sobre mansas águas, envoltos por labaredas multicoloridas de sua artilharia; do percurso de torpedos submarinos, traçado pelas bolhas que produz.

 

Belezas, ligadas a horrores, que nos conduzem à reflexão e a sentimentos diversos, como os de estupefação, pela beleza dos fogos de seus acionamentos; de vanglória, pelas precisões cirúrgicas de suas viagens e pela capacidade inventiva humana; de alívio, ao virmos os seus lançamentos, o que nos coloca na cômoda posição do “lado de cá” dos seus destinos; de assombro, ao conferirmos o momento do alcance de seus alvos, com magníficas explosões e ampla destruição; de fuga à realidade, eis que sabemos serem essas máquinas, finalisticamente, mensageiras de terror; promotoras de mazelas humanas, de separações familiares e de tristezas sem fim.

 

Portanto, num primeiro momento, “anestesiados” por um deliberado bloqueio mental, para não sermos levados a reflexões sobre o contexto das imagens que nos impressionam, apreciamo-las em cada detalhe, tão somente pelo prazer da visão espetacular…

 

Depois desse êxtase, aí sim, permitimo-nos a aprofundamentos, deixando que ecoem em nossas mentes os sons dos bombardeios; o do choro dos feridos, dos órfãos e dos viúvos; o do “silêncio gritante” das paisagens arrasadas; que são retratos das palavras de Martinho Lutero, para quem “A guerra é a maior praga que assola a humanidade. Destrói a religião, destrói as nações, destrói famílias. É o pior dos males.”

 

Aí, vem-nos a solução mágica e simplista que nos motiva a contá-la para todo o mundo: bastaria aos povos entenderem-se, como irmãos que somos, para que as guerras não mais aconteçam, seguindo o sonho de Fridtjof Nansen, para o qual “A guerra acabará quando os homens se recusarem a lutar.”

 

Quiçá fosse tão simples… Com os “pés no chão”, lembramo-nos de que irmãos de sangue se desentendem e descambam para o conflito. Que o mesmo acontece entre casais, sócios, vizinhos, amigos; entre cidades, estados e, claro, entre países…

 

Enfim, vez ou outra vemo-nos distantes do que ensina Albert Einstein, de que “A paz somente pode ser atingida pelo entendimento” e vivenciamos a verdade dita por Ambrose Bierce, de que “A guerra é o desatar com os dentes um nó político que não se pode desatar com a língua”.

 

Na prática, se bem nos atentarmos, vivemos permanentemente na iminência de conflitos de variáveis naturezas e importâncias – sendo a guerra entre países o seu exemplo máximo – cabendo a cada um de nós zelar ardorosamente por atitudes dissuasórias.

 

Para que tenhamos paz, curiosamente, precisamos pensar na “guerra” – atitude aparentemente contraditória que gera em nós um conflito interno (aí está mais um conflito), que consiste em prepararmo-nos para enfrentá-la, para evitá-la, numa tentativa de mostrarmos ao lado oposto que não valerá a pena, para ninguém, o confronto.

 

Sun Tzu nos ensina que vivemos em um círculo vicioso, sob a insofismável verdade de que “na paz, devemos nos preparar para a guerra. E, na guerra, prepararmo-nos para a paz”, eis que “o verdadeiro objetivo da guerra é a paz”.

 

Ele não era um defensor da guerra em si, mas da sua necessidade pela busca da paz. Tanto isto é verdade que, em outra manifestação, ele defende que “derrotar o inimigo em cem batalhas não é a excelência suprema; esta, sim, consiste em vencer o inimigo sem ser preciso lutar”, reflexão que remete a palavras de Benjamin Franklin: “Jamais houve uma guerra boa ou uma paz má”.

 

Mao Tse Tung, em corroboração ao pensamento de Sun Tzu, já bem observava que “somos a favor da abolição da guerra. Não queremos a guerra. Mas a guerra só pode ser abolida com a guerra. Para que não existam mais fuzis, é preciso empunhar o fuzil.” Como é intrigante e ambivalente essa filosofia!

 

Por outro lado, ultrapassando o conceito do pensar na guerra como caminho para a paz, se a observarmos sob o enfoque da humanidade, enxergaremos o seu lado vil e cruel, retratado pelo sangue derramado por seus atores nas linhas de frente, os quais patrioticamente defendem o seu respectivo lado, prontos para o que der e vier; para matar ou morrer; em nome da sua terra e a mando de terceiros. Segundo Napoleão Bonaparte, em seu conceito de exército, são “uma multidão que obedece”.

 

Esses “terceiros” a tudo assistem, bem de longe – livres, em seus escritórios de comando, dos horrores do conflito que iniciaram – a essa “série de catástrofes que resulta numa vitória: a guerra”, pela definição parafraseada de Georges Benjamin Clemenceau.

 

O pacifista e filósofo francês Paul Valéry brilhantemente se expressou sobre esta tal mazela ao dizer que “a guerra é um massacre entre pessoas desconhecidas, promovido por pessoas conhecidas que não se massacram”.

 

Voltaire, irônica e duramente, lançou à reflexão o fato de que “o maravilhoso da guerra é que cada chefe de assassinos faz abençoar suas bandeiras e invoca solenemente a Deus, antes de lançar-se a exterminar a seu próximo” nos campos de batalha, onde, segundo Cícero, “no meio das armas, calam-se as leis”, com o que concorda Santos Dumont, que reclamou de ter a guerra vindo, se apoderado de seus trabalhos e, com todos os seus horrores, aterrorizado a humanidade.

 

Charles Chaplin confessou sua incapacidade de entender a diferença entre assassinato e heroísmo, já que, na prática, disse ele, “se matamos uma pessoa, somos assassinos. Se matamos milhões de homens, celebram-nos como heróis”, sendo isto o que se vê em uma guerra.

 

Enfim, quantos paradoxos… Beleza visual de um lado; show de horrores do outro; o guerrear para reaver a paz, versus o guerrear para não perder a paz; o destruir, para não ser destruído; o dominar, para não ser dominado; o matar, para salvar vidas; o prender, para viver em liberdade…

 

Antagonismos, contradições, incoerências, contrassensos, desatinos, disparates, insensatezes, tolices, ambivalências, para, ao final, invariavelmente, conforme bem definiu Karl Kraus, aprender que “a guerra, a princípio, é a esperança de que a gente vai se dar bem; em seguida, é a expectativa de que o outro vai se ferrar; depois, a satisfação de ver que o outro não se deu bem; e finalmente, a surpresa de ver que todo mundo se ferrou”.

 

Onde o mundo irá parar? Não nos custa fazer a nossa parte, por menor que seja a atitude de distância da guerra, não importando o tipo de conflito que nos esteja próximo, seguindo os ensinamentos do Senhor Jesus, que nos deixou o seguinte conselho: “se possível, no que depender de vocês, sejam pacíficos com todos. Não se vinguem (Rm.12:18-19)”.

 

Que o nosso brado em favor da paz seja aquele ensinado por Victor Hugo: “morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida! Ódio ao ódio. A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos concidadãos.”

 

Vivamos, pois, em paz!

 

Por Flávio Augusto Nogueira Noronha

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