A corrupção nossa de cada dia

Por: Flávio Noronha

Sua mãe sabe o que Você anda fazendo?

É evidente o desvio do brasileiro quanto ao cumprimento de regras de civilidade, sejam elas legais, costumeiras ou morais, comportamento que implica, em grande parte das vezes, o cometimento de infrações civis e criminais.
Ocorrências das mais diversas e controvertidas tornaram-se comuns e, o que é pior, são relevadas pelos próprios cidadãos que as protagonizam, os quais as avaliam de forma superficial, fingindo não as enxergar como maus exemplos, negando suas repercussões negativas e, principalmente, jamais as reconhecendo como contravenções e até como atos criminosos.
Com isto, estabelece-se a cultura de que as regras existem para serem quebradas; que esta burla constitui demonstração de ousadia e que a prática do errado, enfim, é um diferencial positivo. Levar vantagem em tudo e agir de forma com que o interesse próprio desconsidere o alheio são comportamentos que têm assumido fortemente o lugar da sensatez e da consciência de que o direito de um termina onde começa o do próximo.
O que se vê é que a corrupção, na acepção da palavra, tomou conta do nosso País, permeando os cidadãos para promover a adulteração das
suas condições originais de honestidade, quebrando-as em pedaços e decompondo-as até a putrefação do comportamento civilizado. E,
infelizmente, ela se mostra bonita e interessante, mudando frequentemente de cara, de roupa, de figura, pra continuar reinando
soberana Brasil adentro. Atitudes hoje aceitas como simples e rotineiras, de tão enraizadas que estão na sociedade, escancaram portas para que outras mais graves e perigosas sejam praticadas pelos que, conscientemente, se esmeram no aprimoramento da sinistra arte das pequenas enganações e a ultrapassagens à legislação, o que os tornam aptos à promoção de “ladrões de galinha” a potenciais ladrões de tudo o mais, inclusive de dinheiro público, sem limites, insensíveis quanto aos males que desencadeiam com tais atos, eis que a noção do certo e do errado há muito os deixou de incomodar.
Com isso, o que foi desviado da merenda escolar, resulta em fome de crianças carentes; o que se tirou da educação, impede o crescimento das
células familiares e o fortalecimento do País; o que foi surrupiado da saúde e da segurança pública, literalmente, mata. Em todos os casos
somam-se dores, desespero, tristezas, desilusões e caos.
O que muito chama a atenção é a facilidade com que cada um dos brasileiros critica prontamente e em alto som a prática da corrupção por
parte dos que deveriam servir à Pátria, em vez de promoverem sua deterioração e saqueá-la.
Ao mesmo tempo e em grau superior, chama a atenção o fato de que boa parcela desses arautos da honestidade são useiros e vezeiros
daquelas pequenas e rotineiras práticas da enganação – doses diárias e sequenciadas de delitos, transgressões e crimes – que passam
despercebidas ou que não redundam em flagrantes da fiscalização, preparatórias para outras maiores que se-lhes aparecerem pelo caminho.
É comum vir às nossas mentes a figura de um assassino, de um bandido famoso ou de um batedor de carteiras de rua, quando ouvimos as
expressões “criminoso”, “contraventor”, “delinquente”, sendo que tais expressões nos remetem sempre a outros, mas poderiam bem caracterizar o que muitos de nós mesmos somos e fazemos.
Assim, significativa parte da população exige dos outros comportamentos que não pratica e conduta que não almeja para si. Em demonstração
máxima de ignorância ou de sui generis capacidade teatral, essa parcela sem corrompida sonha com um Brasil melhor; com ruas seguras; bons
hospitais; educação de primeiro mundo; convivência respeitosa e urbanidade.
Para alterar esse retrato cruel, um choque cultural faz-se necessário e ele deve partir de quem recebeu e mantém valores morais, éticos e principiológicos que convirjam para a civilidade. Parece difícil, mas, como assevera Lao-Tsé, “o primeiro passo na direção certa é metade do caminho”. Jean-Jaques Rousseau e Oscar Wilde, sobre o “primeiro passo”, ensinam que a marcha é desencadeada pelo descontentamento e que, se esta visa alcançar o bem, o sucesso virá, desde que o mal não seja feito, conduta que promoverá a evolução do homem e da nação. Diante dessa realidade, posturas simples de quem não concorda com a corrupção nas atitudes rotineiras, nascedouro de todas as suas maiores expressões, seria deixar de aprová-las; de julgá-las engraçadas; de manter-se silente diante de suas ocorrências; de reputá-las como atos de ousadia, de coragem; de considerá-las brilhantes; e de deixar claro a quem se gaba delas ou que as pratica costumeiramente, de que elas fazem um grande mal para a sociedade.

Finalisticamente, a corrupção, de modo geral, nasce e mantém relação direta com a mentira, haja vista que faltar com a verdade, em qualquer situação, é caracterizado como ato de adulteração, de deterioração do ser humano, afirmação que muitos podem até achar engraçada, haja vista a intimidade com que se dão a ela. Importa elencar alguns exemplos de posturas exemplificativas facilmente detectáveis no cotidiano do brasileiro, as quais materializam-se como atos de corrupção corriqueira. Leia cada um e medite sobre a sua origem (a mentira); sobre a sua essência (a degradação humana); sobre suas consequências (os prejuízos e males que causam a terceiros); e sobre o seu potencial (abrir portas de passagem do pequeno para o grande ato de corrupção).
Veja: “roubar” TV a cabo (gatonet); consumir algo no supermercado e não pagar; colocar criança no colo para utilizar-se de fila preferencial; utilizar-se de documento alheio para ingressar em shows, eventos culturais etc., pagando a metade do preço; dirigir após ingerir só uma cervejinha; fugir às blitzes policiais; sonegar imposto de renda; subornar funcionário público; furar fila ou vender o seu lugar nela; comprar produtos falsificados; bater ponto pelo colega no trabalho; falsificar assinatura; deixar de registrar empregados para não pagar impostos; utilizar-se de atestado médico falso para faltar ao trabalho ou escola; fumar em local proibido; urinar na rua; fazer ligação pirata de água ou energia elétrica; utilizar-se de transporte clandestino; fazer barulho após as 22hs.; violar correspondência; dirigir com habilitação suspensa; dirigir no acostamento; não oficializar relação amorosa para manter pensão vitalícia; comprar CNH, diplomas, atestados médicos; estacionar em vaga de deficiente, de idoso ou em fila dupla; não respeitar assentos preferenciais; furtar coisas de pequeno valor; encontrar carteira com dinheiro e não devolver; etc. Reserva-se aqui um parágrafo sobre a cola na escola – forma clássica de corrupção – sendo importante deixar claro, quanto aos que se entregam a esse atalho, que, por causa de tal prática, que lança ao mercado de trabalho profissionais incompletos e mau formados, pacientes morrem nas mãos dos médicos; prédios desabam nas mãos de engenheiros; dinheiro é perdido nas mãos de economistas e contabilistas; a humanidade padece nas mãos de religiosos; e a justiça se perde nas mãos de juízes.
É certo que há uma distância enorme entre o que exigimos dos outros e o que efetivamente fazemos, haja vista que o ambiente em que vivemos é corrompido, o que dificulta a percepção do errado e acaba por nos ser convidativo à participação na farra irreprimida das pequenas transgressões.

Ditados populares nos dão conta de que o homem corrupto é um indivíduo fraco que perdeu as qualidades do homem equilibrado e justo e que podemos perceber que estamos sendo desonestos quando fazemos algo que não temos coragem de contar para nossas mães.
Que este artigo promova profundas reflexões e que ensine ou fortaleça uma verdade fundamental, qual seja, a de que a “lei” deve ser cumprida sem que ninguém esteja nos vendo, comportamento que nos livra da farsa de só parecermos corretos, do vivermos a vida com dubiedade e de mantermos posturas apenas focados no politicamente correto; o que nos fará sentir a marca do que efetivamente há de bom e de honesto em nós. Martin Luther King ensinou que sempre é hora de fazer o que é certo. Sigamo-lo!

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