Viver é lutar!

Por: Flávio Noronha

A vida é uma aventura diariamente perigosa – com incertezas assustadoras – sobre a qual jamais teremos total controle. Saímos de casa sem a certeza de que voltaremos e dormimos sem a garantia de que nos virá o amanhecer.

Diante dessa realidade, muitos conduzem suas existências em direção ao encontro da implacável ansiedade, não se permitindo um viver pleno e equilibrado. Outros, porém, optam por viverem como se imortais fossem, navegando por mares de vaidades, ignorando os presentes diários, divinamente recebidos, ou até a estes tratando com certo desdém.

Carlos Drummond de Andrade, ao falar sobre a vida, o fez nos chamando à reflexão sobre os dias dos nossos aniversários, no sentido de que não devemos nos apegar aos costumes de comemorações únicas anuais, haja vista a infinidade de motivos que se-nos apresentam para, diuturnamente, agradecermos pelo milagre da vida, eis que o aniversário, na verdade, é um nascer a toda hora.

Millôr Fernandes, em tom sarcástico, mostra discordância em relação à fala de Drummond, enfatizando que festas em tais datas devem decerto ocorrer, mas com a ciência de todos os festeiros quanto ao fato de que elas servirão tão somente para lembrá-los do tempo que lhes resta…

O que importa, efetivamente, é que a vida está aí, presente em cada um de nós, e que ela é composta de porções de esperanças, com pitadas, às vezes generosas, de ansiedades; de alegrias, com momentos de tristezas; de introspecções, com arroubos de expansividade; e de tantos mais ingredientes, os quais, desde que sem excessos ou faltas, têm o condão de nos propiciar o equilíbrio que necessitamos para o bem viver. Nessa receita, há que levar-se em conta até o que mais evitamos pensar, ou seja, que a vida trilha o inevitável caminho para a morte, a qual nos colherá, quase que invariavelmente a todos, de forma impiedosa, sorrateira e inesperada.

O tempo, cada vez mais, mostra-se como um silencioso, mas muito ágil e eficiente, adversário da vida. A morte, diz Giuseppe Belli, está escondida nos relógios, porque o tempo, que não conhece a vida, é uma invenção da morte. Porém, segundo devaneio de Mário Quintana, basta um momento de poesia, em meio a esse ignorante tempo, para nos dar a eternidade inteira.

Corremos perigo – o que apreendemos de Clarice Lispector, em um de seus desafogos d’alma – como toda pessoa que vive. E a única coisa que nos espera é exatamente o inesperado.

Se o imponderável nos espera do lado de lá, do lado de cá, também cultivamos esperanças. Aristóteles e Augusto dos Anjos, aqui parafraseados, argumentam que a esperança é o sonho do homem acordado; um sonho feito de despertares. Ela não murcha; ela não cansa; ela não sucumbe à crença. Por isso, vão-se sonhos nas asas da descrença; voltam sonhos nas asas da esperança.

É consabido que expectativas superdimensionadas geram ansiedade e que esta tende a ser destrutiva. Se quisermos suportar a vida – apartados do que Sêneca chama de infeliz espírito ansioso pelo futuro, o qual (o futuro), segundo Ésquilo, deve ser esquecido, haja vista que somente será conhecido quando chegar – Jules Michelet defende que devemos estar prontos para aceitar a tudo o que se-nos passar, inclusive a morte, até porque, segundo ratificação de Sigmund Freud, o homem não tem poder sobre nada enquanto teme o seu fim. Entretanto, aquele que a este não teme, possui tudo.

Somos, assim, conduzidos ao entendimento de que devemos sempre ter em mente algumas verdades patentes e incontornáveis, que nos enquadram aos fatos de que o futuro é incerto, porque, naturalmente, ele ainda está do “outro lado”; de que o fim sempre está perto; de que o presente é o presente que o tempo quer nos entregar; e de que o pior erro do homem é preocupar-se com o dia de amanhã, já que a única coisa que se pode afirmar sobre tal é que talvez ele seja o seu último dia.

Em bom português, de forma literalmente pontuada, não devemos nos permitir a rendição ao abatimento proporcionado pela ansiedade, o qual nos leva, às vezes, a colocarmos em algumas de nossas histórias um ponto final, dizendo: “é o fim!”; “está tudo acabado!”.

O ponto final, que deveria ser usado realmente para o fim a que se destina, quando alardeado, na maioria das vezes se apresenta como símbolo de protesto; como desabafo; como clamor por socorro etc. Então, ao invés de pararmos, optemos pelo prosseguimento, substituindo – como bem apregoado pelos ditos populares – os pontos de exclamação das nossas interjeições graves, pelos de interrogação, para que estes, por seu lado, nos instiguem a bem avaliar as circunstâncias que nos incomodam.

Que no lugar da definitividade do ponto final, assuma a relatividade das reticências, sinalizadoras de que há, ainda, o que ser escrito, desde que, dali por diante, vírgulas sejam usadas para separar as boas das más experiências; que borracha venha para apagar os borrões causados pela insegurança, geradora da ansiedade, abrindo espaço límpido para a redação de nova história, eivada de interjeições positivas, com claros pontos de exclamação, desbravadores de caminhos diferentes; criadores de novos sonhos; e condutores a decisões tomadas com letras maiúsculas; sendo tudo, a partir de então, concluído com a colocação do ponto final no seu devido lugar: nas tristezas que nós mesmos tratamos de alimentar, que nos cegam para o que há de bom ao nosso derredor. Aprendemos, com Drummond, que nascemos a toda hora; e, com a Palavra de Deus, que nos é dada a oportunidade de vivermos em abundância de alegria e de força para o corpo, para a mente e para a alma.

Nunca será demais repetir o belíssimo trecho da “Canção do Tamoio”, apropriado para os nossos tempos e para este momento de reflexões, o qual mostra que a vida é feita de dificuldades e que devemos ser fortes para não nos deixarmos dominar por elas.

Trata-se de épico poema de autoria de Gonçalves Dias, feito como exaltação à coragem e à tenacidade dos Povos Timbira – conjunto de povos indígenas do Brasil, falantes da língua timbira – o qual serve-nos como inspiração para que valorizemos “todos os dias das nossas vidas”.

 

Não chores, meu filho;

Não chores, que a vida

É luta renhida:

Viver é lutar.

A vida é combate,

Que aos fracos abate,

Que aos fortes, aos bravos

Só pode exaltar.

FLÁVIO NORONHA

 

 

 

 

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