O nascer a toda hora

Por: Flávio Noronha

A cada aniversário por que passamos, ocorrências intrigantes se repetem. Ao mesmo tempo em que uma alegria revigorante se manifesta em nossos peitos, lidamos com sentimentos que tentam sufocá-la; que insistem em nos mostrar que não há o que comemorar; que os cumprimentos nos vêm como obrigação social; que somos esquecidos ao longo de todo o ano passado e que voltaremos a sê-lo pelo que virá.

 

Com isso, o dia que seria de comemoração acaba por disparar gatilhos emocionais, os quais o transformam em um palco de lamentações; de tristeza; e de fuga aos contatos que insistem em nos alcançar. Como exercem força sobre nós – e nos intimidam – os maus pensamentos! Porém, se esperarmos por anos perfeitos, sem máculas, jamais teremos motivos para comemoração.

 

Seria injusto afirmar que esta é a realidade da maioria. Mas, ela não é nada rara. É mesmo difícil conviver com o distanciamento alheio e tratamento superficial por quase todo o ano e, em certas datas, virmo-nos abraçados e recebendo declarações afetuosas.

 

O que fazer, então? Deveríamos abandonar os já tão escassos momentos de congraçamento de que dispomos, passando por datas como Natal, Ano Novo e aniversários sem desejar a outrem palavras de carinho e escondermo-nos destes para evitar que elas nos cheguem? É certo que não.

 

O ideal é passar por tais dias sem o ranço das cobranças por passado que nos desagradou e aproveitá-los ao máximo, ao ponto de fazer deles, quiçá, um momento deflagrador de mudança de comportamento. Dito popular nos ensina que “é dando que se recebe”, o que nos conduz a pensar se estamos fazendo a nossa parte de prover de atenção os que nos cercam ou se deixamos essa atitude para datas festivas e nada mais, agindo mecanicamente e reclamando de recebermos o mesmo tratamento.

 

Carlos Drummond de Andrade ensina que “o aniversário é um nascer a toda hora”. Já Millor Fernandes o vê como “uma festa pra te lembrar do que resta”. Qual seria o ponto de vista ideal? O primeiro me parece muito adequado.

Mais de duzentos anos atrás, Honoré de Balzac já dizia que “os costumes são a hipocrisia de uma nação”. William Shakespeare, por seu turno, há quase quinhentos, pregava que “os homens deviam ser o que parecem ou, pelo menos, não parecerem o que não são”.

 

Sejamos, então, autênticos! Sigamos aquele frio na barriga quando nos lembramos do nosso aniversário e comemoremo-lo com vontade, com alegria, independentemente de tudo o que nos cerca, porque, mesmo que não queiramos enxergar, temos muito mais a agradecer do que a reclamar. Deixar prevalecerem as lamentações é o mesmo que negar a Deus, eis que, até para que isto façamos, precisamos estar vivos, com a mente sã e com gente ao lado para nos ouvir.

 

Enfrentemos de peitos abertos o dia dos nossos aniversários, prontos para o que se nos apresentar, com desprendimento e sinceridade, compreendendo o que levou Clarice Lispector a dizer, como desafogo d’alma: “corro perigo, como toda pessoa que vive, e a única coisa que me espera é exatamente o inesperado”.

 

A este pensamento trago como complemento as lições de Aristóteles e Augusto dos Anjos, as quais, aqui parafraseadas, nos ensinam que a esperança é o sonho do homem acordado. Um sonho feito de despertares. Ela não murcha; ela não cansa. Também, como ela não sucumbe à crença, vão-se sonhos nas asas da descrença, voltam sonhos nas asas da Esperança.

 

Em meio a tantas citações, encerro este texto com belíssimo trecho da “Canção do Tamoio”, apropriado para os nossos tempos, o qual mostra que a vida é feita de dificuldades e que devemos ser fortes para não nos deixarmos ser dominados por elas.

 

Trata-se de épico poema de autoria de Gonçalves Dias, feito como exaltação à coragem e à tenacidade dos Timbiras, o qual serve-nos como inspiração para que nossos aniversários sejam “todos os dias das nossas vidas”, eis que, realmente, nascemos a toda hora:

 

Não chores, meu filho;

Não chores, que a vida

É luta renhida:

Viver é lutar.

A vida é combate,

Que aos fracos abate,

Que aos fortes, aos bravos

Só pode exaltar.

 

POR FLÁVIO NORONHA

 

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