O imponderável amanhã

Por: Flávio Noronha

Diariamente, sem exceção, é possível ver no noticiário certa uniformidade de comportamento em relação ao futuro, especialmente por parte de políticos, evidenciando que o amanhã é tido como algo palpável, claro e certo, como um retrato do que se tem em mãos hoje e como se ele fosse nosso velho conhecido – como o é o caminho percorrido de casa para o trabalho e vice-versa, do qual temos em mente cada detalhe – sem levar-se em consideração o imponderável como sua marcante característica, fato que revela, antes de tudo, insensatez.

 

Nesse contexto, eternos candidatos à perpetuação no poder divulgam pesquisas sobre as próximas eleições – anos antes de elas acontecerem – envolvendo-se, e a todos nós, em futurologia inútil, deixando de lado o que importa, que é a busca pela união de esforços para que o hoje, no qual vivemos efetivamente, prevaleça sobre o fútil e desacompanhado desejo por poder, alimento ultra-calórico do “infeliz espírito ansioso pelo futuro”, este que somente será conhecido “quando chegar e que, antes disso, deve ser esquecido”, segundo ensinamentos de Sêneca e Ésquilo, datados de mais de dois mil anos.

 

Houve um tempo em que o comum era iniciar-se uma frase que tratava sobre algo do porvir com um “se Deus quiser…”, o que ressaltava no seu proferidor a presença de sabedoria tradicional, de equilíbrio espiritual, os quais aprendeu pelos anos de experiência própria ou pela cultura nele inculcada pelos mais vividos, no sentido de que “o futuro ainda está do outro lado e o presente é o presente que o tempo quer te entregar”; que “o futuro é incerto e o fim sempre está perto”; e que “o pior erro do homem é preocupar-se com o dia de amanhã”, já que a única coisa que se pode afirmar “é que talvez esse amanhã seja o seu último dia” (citações parafraseadas de Pe. Fábio de Melo, Jim Morrison e Yago Lopes).

 

Não há dúvidas de que o planejamento de vida nos é importante, mas, com comedimento e realisticamente, cônsones com a verdade popular de que o futuro a Deus pertence. Aliás, é isto o que está no Livro de Tiago – dirigido às “doze tribos dispersas entre as nações” e voltado para os cristãos judeus recém convertidos –  no Novo Testamento da Palavra de Deus.

 

Esta Palavra, da qual o “moderno ser humano” – independente e absoluto – está cada vez mais distanciado, é muito clara ao exortar o “Israel Espiritual, no sentido de que “ouçam agora, vocês que dizem: hoje ou amanhã iremos para esta ou aquela cidade, passaremos um ano ali, faremos negócios e ganharemos dinheiro. Vocês nem sabem o que acontecerá amanhã! Que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa. Em vez disso, deveriam dizer: Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo. Agora, porém, vocês se vangloriam das suas pretensões. Toda vanglória como essa é maligna.”

 

Nós, que assistimos confortavelmente em nossas poltronas a essa enxurrada de presunções, emanadas de “inatingíveis” espécimes da raça humana, podemos testemunhar as duríssimas lições por eles experimentadas, dadas pela realidade que propositadamente teimam em ignorar, quando suas certezas e futurologia são frustrados por doenças, escândalos morais ou financeiros, perdas familiares, falências, e até pela morte. Confúcio já dizia que “se queremos prever o futuro, estudemos o passado”, eis que tudo se repete, o que só não vê quem não quer.

 

Concluo com a reflexão de que a humildade que nos conduz ao entendimento e à aceitação de que nossos corações podem fazer planos, mas que vem de Deus a determinação dos nossos passos, evita a dolorosa queda de quem julga estar de pé.

 

POR FLÁVIO NORONHA

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