Fechar a matraca

No muito falar não falta transgressão, mas o que modera os lábios é prudente.
– Provérbios de Salomão

Modelo de MATRACA mais sofisticado

Apesar de a expressão “fechar a matraca” ser bastante conhecida, nem todos sabem exatamente o que é uma matraca. Trata-se de um instrumento de percussão, normalmente feito de madeira (parecido com uma tábua de cortar carne) em que são fixados ganchos de ferro, em formato de pedais móveis, os quais produzem uma sequência de estalos semelhantes a pequenos estampidos de pólvora ao baterem na madeira em decorrência dos sucessivos movimentos giratórios, feitos manualmente, agitando a madeira de um lado para o outro.

Dizem até que, durante a Revolução Constitucionalista (1932), os soldados paulistas usavam matracas para simular rajadas de metralhadoras. A intenção era incutir pavor no inimigo, mas – ao que tudo indica – a estratégia não deu muito certo, pois estudos no campo de acústica revelam que o barulho provocado por uma matraca só pode ser ouvido em um raio de aproximadamente 50 metros.

Apesar das limitações desse instrumento, ainda hoje existem muitos que, por se consideram bastante espertos, tentam fazer da “matraca verbal” a principal ferramenta de imposição de sua pretensa superioridade moral ou intelectual perante os demais.

A melhor maneira de descrever tal procedimento, numa linguagem um pouco mais rebuscada, seria associá-lo com a palavra “bravata” – termo de origem italiana que pode ser traduzido como jactância, gabarolice, alarde ou blasonaria.

Desse modo, não seria nem um pouco inapropriado lançar mão do neologismo matraqueiro para designar alguém que tenha como característica marcante ser muito apressado para falar, mas pouco dado a ouvir.

A crônica jornalística está repleta de exemplos de falas precipitadas que culminaram em estrondosas gafes. Diz-se, por exemplo, que Thomas Andrews – construtor do Titanic – teria dito que “nem Deus afunda este navio”. John Lennon, o famoso componente dos Beatles, em um momento de euforia, teria se gabado: “Somos mais populares do que Jesus.”

No Brasil, o político mineiro Tancredo Neves, de acordo com informações publicadas pela VEJA, teria dito que se obtivesse uma determinada quantidade de votos do PDS (partido vinculado ao governo da época) não precisaria “nem da ajuda de Deus” para se tornar presidente da república na eleição realizada pelo Colégio Eleitoral composto exclusivamente por deputados e senadores. No que diz respeito aos três personagens, ora referidos, as consequências foram funestas. 

Lá pelo interior das Minas Gerais, é muito comum o uso de expressões populares que têm tudo a ver com a matraquice: “Quem muito fala, dá bom dia a cavalo” ou “fala mais do que o homem da cobra”. Traduzindo em português claro: quem fala demasiadamente (como o camelô que usa uma cobra como artifício para engabelar a clientela) acaba conversando com o próprio cavalo, pois, como se sabe, não há quem esteja disposto a dar ouvidos à incontinência verbal seja de quem quer que seja e venha de onde vier.   

Tudo isso serve para reforçar a tese de que falar demais traz mais prejuízo do que benefício. O sábio Salomão que o diga: “O homem se alegra em responder bem, e quão boa é a palavra dita a seu tempo!” (Provérbios 15.23).

Corroborando com esse pensamento, a máxima citada no subtítulo deste artigo – também da autoria de Salomão – dá a dica de um dos motivos pelo qual o excesso de palavras pode levar ao fracasso: “No muito falar não falta transgressão”. Ou seja, falar demais, além de levar a pessoa a revelar sua própria ignorância, acaba favorecendo a externalização de preconceitos, mágoas, ressentimentos, rancores, revoltas e de tantos outros instintos e sentimentos mal administrados que afloram involuntariamente nessas horas. Afinal, “a boca fala do que está cheio o coração”.

Outro efeito colateral da falta de freio na língua tem a ver com a munição que se dá aos adversários ou concorrentes, os quais não hesitarão em tirar o máximo proveito das derrapadas que ocorrem para, com isso, construírem seus discursos e estratégias visando o enfraquecimento das teses ou opiniões expostas de forma açodada e sem critério. Diante do resultado desastroso, o tagarela acaba se colocando em um beco sem saída, restando apenas colocar a culpa na mídia, na oposição ou na má sorte, visto que “quem fala o que quer, ouve o que não quer”.

Esse é um cenário mais comum do que possa parecer. Não são poucas as situações em que palavras – especialmente quando baseadas na própria cabeça – ditas em ocasiões ou lugares inadequados, acabam por arruinar a reputação, até mesmo de personalidades com larga experiência em suas respectivas áreas de atuação.

Matraca, modelo médio

Os que atuam na seara política é importante considerar o quanto as palavras lançadas ao vento, de maneira imprevisível ou intempestiva, podem arranhar a imagem e destruir a popularidade de uma pessoa da noite para o dia, levando ao desespero os profissionais responsáveis por zelar pela boa fama de seus líderes e correligionários. Exemplos antigos e recentes não faltam para comprovar a dura e cruel realidade dos estragos provocados por esse tipo de desequilíbrio emocional.

Felizmente, a grande notícia é que todas as pessoas têm a chance de aprender com os próprios erros. Há casos emblemáticos demonstrando que, apesar de amargarem sucessivos fracassos, muitos conseguiram dar a volta por cima depois de reverem seus modos de agir, passando a adotar posturas mais compatíveis com a liturgia de seus respectivos cargos ou missões. Em síntese, podemos concluir que, no caso de haver alguém que esteja submetido à incômoda situação de dar “bom dia a cavalo” – provavelmente por não ter entendido ainda que a linguagem humana não é unidirecional, por isso falar é menos importante do que dialogar ou que não tenha compreendido, também, a razão de termos apenas uma boca e dois ouvidos, significando que devemos mais ouvir do que falar – recomenda-se que feche a matraca urgentemente e trate de ouvir mais e falar somente o necessário. O bom senso agradece.      

Por Peniel Pacheco

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