Tá tudo errado!

Por: Flávio Noronha

As redes sociais têm-se mostrado lugar fértil para agravar a situação da já combalida língua portuguesa. A ânsia dos usuários por agilidade e simplicidade na escrita está sacrificando a correção; criando e consolidando novas palavras, que já nascem de erros; e empobrecendo o nosso vernáculo.

Ninguém se preocupa em questionar a redação de palavra que lhe soa mal ou em buscar nos dicionários digitais – de acesso tão facilitado – a solução para dúvidas. Opta-se pela cômoda aceitação e adesão ao novo palavreado trôpego, o que acaba por consolidar o erro e por promover sua irradiação para todos os demais escritos da vida do cidadão, alcançando sua redação profissional e pessoal, extrarredes sociais.

A continuar como está, brevemente o dialeto digital contaminará definitivamente a língua portuguesa e impedirá, pelo seu uso extremado, que o brasileiro fale e escreva corretamente, haja vista o domínio que tal vocabulário exerce sobre as crianças e jovens, os quais, como “diz o outro”, são o “futuro do Brasil”.

Veja a que ponto chegamos, observando a seguinte carta enviada ao pai, pela filha que foi morar em outro estado, na qual ela narra alguns momentos de sua viagem; as expectativas que nutre pela nova vida; e os planos que pretende implementar. Como o objetivo deste artigo é apresentar palavras já “consagradas” pela má utilização, todo o restante da carta está grafado corretamente, sendo mantidas em itálico – para que não restem dúvidas – as que são objeto do nosso enfoque.

“Paizinho, espero que tudo esteje bem com o senhor. Já é oito horas da noite. Estou meia cansada, mais vou escrever enquanto eu aguentar. Derrepente, eu consigo dizê tudo o que quero, começando, ou seje, à partir, do dia da nossa despedida.

Manda um abraço pra minha madastra e diz pra ela que amo ela muito e que eu espero que esteje tudo bem. Ti amo muito também, pai.

Pai, entre eu e o senhor não tem segredo. O senhor sabe o quanto eu tava anciosa antes de pegar o baú. Se não fosse aquela festa beneficiente da galera, eu num ia dinhero neim pra comprá cardaço novo pro meu tênis ou pra concertá meu óculos. Viajá, então, neim pensá! Só num gostei muito foi daquele peixe. Ele tinha muito espinho. Na outra, agente faz frango ao invés de peixe.

Mais, graças a deus, deu tudo certo. Comprei uma lembrança pro senhor: aquele perfume cheroso que o senhor gosta. Deixei ele no guarda-roupa, na primeira gaveta. Pega ele lá. Aproveita e dá uma limpada nela. Sintí um mal cheiro nela.

Pai, por conhecidência, a minina que sentô do meu lado também vinha pra cá e tinha uma conversa muito boa. Ela foi a última a entrá no ônibus, porque ela tinha chego atrasada na rodoviária. Agente se entendeu loguinho, porque ela tinha muita coisa encomum comigo. Sabia que ela tem padastro? Fiquei intertida o tempo todo com a ótima compania dela. Ela é cabelerera; trabalha num salão bacana; e mim deu um monte de dica de rejuvelhecimento. Ela mim disse que até já arrumô o cabelo de duas modelos que pousaram pra revista chique.

Pai: conversa vai… conversa vem… nóis juntâmo nossos lanches, pra não que gastá com supérfulo na estrada. Eu dei pra ela um pouco do meu iorgute com açúcar mascado; do suco de laranha; e do pão com mortandela. Ela mim deu cachorro quente e uns cocrete. Pensa numa salchicha boa e numas batata frita cocrante. Tinha até gogumelo no molho, que o povo diz que faz bem pro célebro. Usamos o meu caderno de 5 matérias, que eu tinha compro e trago pra estudar, como bandeija. Comemos tudinho.

Ela disse que vai ser um previlégio mim recebê lá no salão dela e que num vai cobrá pra fazê a minha sombrancelha. Vai sê de grátis, Pai! Ou seje, gratuíto mesmo! Porisso, tô pensando em ir lá na semana que vem, no dia da minha intrevista de imprego. Chego perto de meio-dia e meio e, daqui há pouco, já saio de lá emponderada, do jeito que eu andava há dois anos atrás. Ela mim disse que lá agente neim vê o tempo passá, porque tem uma televisão grande pra interterimento dos clientes. Não é nada de mais um trato no visual de vez enquando, né? Tô afim de causá um pouco, pai!

Tomare que a metereologia mim ajude e que o dia seje de sol quente e que tudo esteje bem comigo. Não quero nada pra mim pertubá. Outro dia aqui deu zero graus, de madrugada. Sério: o que mais mim pertuba é o medo de pegá uma chuvarada, ou, o que é pior, uma chuva de granito, depois do trato no cabelo.

Vô falá um pouco daonde eu moro. morano em uma casa germinada. Pai: nunca vi tantas largatixa num lugar só! Também, tem muitos bizoro e largata nas flores de cemitério que tem no quintal. Tô dano umas indiretas sobre limpeza e cuidados com a casa, mais já vi que é pura perca de tempo. A dona num vestiu a carapulsa. Isso mim deixa meia assustada, principalmente quanto sento na mesa pra jantá. Mais, num vô dexá que o medo seja um impecilho pra mim morá aqui. Não quero ficá mau humorada. Quero só é deitá a cabeça no trabissero, com muita priguiça, e apagá

Outro poblema é a localização desse bairro. Ele é uma excessão encomum em relação ao resto da cidade. É bem pirigoso e sujo. Toda hora fico no empasse e tenho que dar uns dibres no pessoal do tóchico, sem contar no monte de de menor e de mindingo à toa nas ruas. Tem uns indiotas que gospem no chão, na minha frente, só pra mim provocá. Nada haver! Parece que eles sabem o quanto tenho nojo de ver gente guspindo no chão.

À noite, o poblema dobra e é récorde na cidade. Deve ter haver com a pouca iluminação. Porisso, tenho medo, porque houveram casos de gente estrupada e robada aqui por perto, ameaçada sobre a mira dos bandidos. Nóis já fomos na Prefeitura reclamá, pra fazê provalecer a nossa necessidade de segurança, mais o prefeito num tinha chego lá, ainda. Quéde ele, nóis perguntamo. A secretária dele disse, primeiro, que ele ia vim. Depois, falô que ele devia vim logo. Aí, uma hora depois, já disse que ele pudia num vim naquele dia. E num veio mesmo, concerteza, porque agente entrô lá dentro e num viu ninguém. Diz o povo que ele só vai lá de vez enquando. A secretária nega que ele é negligente. Mais é, sim! Vai pricisá muito pra ele reavê a nossa confiança, haja visto tudo isso, ao meu ver e ao ver de todo o bairro. Ou seje, ao nosso ver, de todo mundo.

Porisso, eu deixo um pedaço de tauba escondida perto do ponto de ônibus, no terreno do lado da casa de um adevogado, para o causo de pricisá degladiar com algum indiota desses – se meus gambito num dé conta duma boa corrida.

Esse começo de vida nova é um pouco frustante. Além de frustada, tô meia cansada. Ai de mim se não fosse aquelas pírulas de vitamina que o senhor mim deu outro dia. Sem elas, eu estaria com bem menas força. Se der, mim manda o vidro que deixei aí, do lado do pote de bicabornato, na conzinha. Mesmo com tudo isso, feliz quinéim pinto no lixo. Eu sempre quis ser dona do meu próprio imbigo e não viver às suas custas, mesmo sabeno que o senhor não simporta.

Bom, já é 10hs da noite e vou parar. Em fim, pai, morar aqui é o melhor caminho pra mim conseguir crescer. Estar aqui é resposta de deus. Eu falei com ele; ele mim escutou e mim falou, na alma, que tudo ia certo. Sei que ele mim ama; que ti ama e que ama todos nóis. Um beijo, pai! Ti amo!”

Você se viu cometendo um ou mais erros de grafia e de fala, similares aos que cometeu a filha na carta ao pai dela? Se restaram dúvidas, sugiro que busque um bom dicionário e que pesquise em sites confiáveis da internet, para que sejam elas sanadas e para que o seu linguajar fique afinadíssimo, de acordo com o que há de melhor na nossa complexa língua portuguesa.

 

FLÁVIO NORONHA

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