Está na cara

Por: Peniel Pacheco

A pandemia fez surgir um novo tipo de moda – a das máscaras. Não são poucos os que fazem delas um motivo a mais para realçarem seus estilos e preferências.

“Tá na cara” não é uma expressão em japonês – como o bom humor, bem típico dos brasileiros, poderia fazer supor. Trata-se de uma expressão popular utilizada para definir algo bastante evidente, totalmente óbvio, difícil de disfarçar. Há até uma música com esse título, do cantor Ferrugem, que reforça essa ideia quando diz: “Olha minha cara de contente.
Eu mudei. Melhorei. Tá na cara.”

Seguindo a mesma tendência verificada após o surgimento dos óculos – diversificados em modelos e estilos para melhor se ajustarem aos diferentes formatos de rosto – a máscara respiratória acabou se tornando, também, um acessório que pode ajudar a realçar a personalidade de seus usuários, dependendo do modelo, da cor e do material, incluído os adereços utilizados na sua fabricação.

Os artistas que o digam: ao se apresentarem em suas lives, por exemplo, cada um procura utilizar a máscara mais adequada não apenas à fisionomia, mas também ao momento da apresentação – se de dia ou de noite –, ao ambiente onde é realizada e ao estilo musical do artista.

Nos estádios de futebol, não tem sido diferente: terminada a partida, alguém corre em direção aos jogadores para entregar-lhes máscaras nas quais estão impressos, de forma bem ostensiva, símbolos com as cores do time. Está na cara que tal iniciativa tem tudo a ver com as estratégias, meticulosamente calculadas, de marketing desportivo com o propósito de reforçar a identidade visual de sua marca perante o público.

Observa-se, desse modo, que, por meio de estampas – algumas multicoloridas – contendo símbolos, palavras e até fotos, as máscaras se transformam em verdadeiras peças promocionais criadas para difundir conceitos, ideias, opiniões ou, simplesmente, para demonstrar o estado de espírito daqueles que dela fazem uso.

Também está na cara que os políticos não poderiam ficar fora dessa onda. Apenas para citar alguns exemplos, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre – DEM, lançou moda ao aparecer em público utilizando uma máscara com o desenho da bandeira do seu estado – o Amapá. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia – DEM, tem clara preferência pela máscara preta – sua companheira quase inseparável. O ministro interino da saúde, Eduardo Pazuello, parece se sentir mais à vontade com uma enorme máscara adornada com as cores da bandeira do Brasil cobrindo praticamente todo o seu rosto.

Se, por um lado, o uso da máscara pode representar uma estratégia para a reafirmação de algum ponto de vista, sua não utilização também passa uma mensagem que pode ser ainda mais impactante. É o que ocorre frequentemente com o Presidente Jair Bolsonaro que faz questão de se apresentar, diante de pessoas normalmente aglomeradas à sua volta, sem a máscara de proteção. As múltiplas reações e críticas que o Presidente sofre, em razão desse comportamento, no lugar de levá-lo a reavaliar sua conduta, parecem alimentar, ainda mais, seu ímpeto no sentido de persistir em tais práticas.

Foto Divulgação

O mesmo não se pode dizer do seu vice. Para o bem da verdade, é preciso reconhecer que Hamilton Mourão raramente se aparta de sua conhecida máscara negra contendo os símbolos do Flamengo. Já se tornou praticamente uma tradição vê-lo circulando entre jornalistas, respondendo às perguntas que lhe são dirigidas, como se estivesse saindo do campo de jogo para dar entrevista, após a partida, como titular da equipe.

Foi em uma dessas ocasiões, na condição de comandante do Conselho da Amazônia, enquanto respondia às indagações de repórteres acerca das inúmeras queimadas que, ainda hoje, se alastram pelo país afora, que a máscara acabou gerando um tipo de associação não muito agradável para ele e para o time da Gávea.
Talvez ele mesmo não tenha se dado conta, mas estava na cara que responder sobre queimadas no Pantanal e na Amazônia, usando a máscara do Flamengo, acabaria reacendendo as lembranças do terrível incêndio ocorrido no Ninho do Urubu, ocasião em que, por uma flagrante omissão da parte dos dirigentes do clube – como provam os documentos acostados aos autos –, 10 atletas adolescentes tiveram suas vidas ceifadas de maneira trágica.

Tudo isso nos leva a refletir sobre o fato de que, mascarar os acontecimentos ou tentar minimizar tais ocorrências, ignorando suas causas e naturalizando suas consequências funestas – como infelizmente costuma ocorrer com frequência em terras tupiniquins –, não ajuda em nada na correção de rumos e na busca de soluções efetivas visando à prevenção de tais catástrofes.

É certo que a ostentação de símbolos – da pátria ou de clubes – pode servir para realçar a importância do patriotismo e da paixão pelo esporte. Como efeito colateral, todavia, pode servir, também, para trazer à memória o quanto a falta de gestão eficaz prejudica a imagem das instituições brasileiras tanto dentro quanto fora dos gramados. Qualquer semelhança, entre os aludidos episódios, terá sido mera coincidência?

Por: Peniel Pacheco – Equipe SOS Brasília

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