O FIM DA PICADA E O FIO DA MEADA

Por: Flávio Noronha

Em 8 de julho passado um jovem estudante de veterinária foi picado por uma cobra naja que criava em seu apartamento. As repercussões desse fato deveriam limitar-se ao socorro, tratamento e recuperação do rapaz, com sua volta à normalidade de vida, propiciada pela única ampola de antídoto ao mortal veneno disponível no Brasil.

Entretanto, para surpresa de todo um povo ainda crédulo nas instituições, na verdade como padrão de comportamento e na cessação da corrupção – ante a tantas prisões diárias de ladravazes e de seus comparsas – o fim dessa venenosa picada ainda está longe de ser alcançado.

Os dedicados trabalhos de investigação Policial conduziram a possíveis práticas de crimes de tráfico internacional de animais silvestres, de peculato, de formação de quadrilha etc.

Há suspeitas de que colegas desse jovem no curso de medicina veterinária e servidores do IBAMA tenham participação ativa na prática criminosa.

Como se não bastassem estas notícias, hoje o país surpreendeu-se com a do afastamento de dois policiais militares do Batalhão de Polícia Ambiental da Capital Federal, sendo um deles o próprio comandante da corporação, em razão da suspeita de os mesmos estarem obstruindo ou dificultando as investigações. Aonde tudo isso irá parar? Quando os sustos de cada dia – mesmo que tomados por um povo calejado e infelizmente acostumado com a corrupção generalizada que assombra o Brasil – darão uma trégua a quem não aguenta mais vivenciar tantas decepções?

O que se vê neste caso são lobos cuidando de galinheiros. Há lobos no IBAMA; lobos na Polícia Ambiental; e lobos na Faculdade de veterinária! E, ao que tudo indica, há outros lobos vorazes ainda não descobertos pela polícia, disfarçados de inofensivas ovelhas. Uma verdadeira infestação que tira da população a segurança que se espera pela atuação de funcionários públicos encarregados diretamente da fiscalização e da coibição das práticas que eles mesmos estão cometendo ou deixando que sejam cometidas, o que a todos estes torna partícipes de uma grande quadrilha, provavelmente movida por subornos saciadores de sua ânsia incontida pelo vil metal – sabidamente tido e havido como a raiz de todos os males tão conhecidos por este sofrido Brasil.

O compromisso do médico veterinário, solenemente bradado em sua colação de grau, de cumprir os dispositivos legais e normativos; de promover respeito à ética da profissão; de aplicar seus conhecimentos adquiridos, finalisticamente, para o progresso justo e equilibrado da sociedade humana; resta flagrantemente inviabilizado por meros alunos, aprendizes que deveriam focar seus esforços no alcance da elite do saber e não em práticas réprobas e envergonhadoras da classe, como as que se vêem neste caso.

Quanto à Polícia, se confirmado seu envolvimento, a gravidade superará sobejamente à dos atos dos demais partícipes, haja vista seu compromisso pessoal e legal de fidelidade à Pátria; de civismo; de sacrifício da própria vida na defesa da sociedade; movida pela vontade inabalável de cumprir o seu dever policial-militar… Quiçá fosse mesmo, esta vontade, inabalável, o que nos daria o conforto e a segurança gerais que dela tanto esperamos e precisamos.

Neste triste caso a sociedade espera dos funcionários públicos que honram os seus postos e que sejam comprometidos com o bem dos que servem e devem proteger – policiais militares, civis e servidores da administração pública – que façam funcionar plenamente suas corregedorias, com vistas a manter a incolumidade de suas corporações, com punições exemplares aos malfeitores, e quiçá, por meio do Judiciário, dar a cada um a cadeia que porventura venham a merecer.

Para os que seguem a vida de dura labuta e de trabalho honesto, sugiro, parafraseando Rui Barbosa, William Shakespeare e Sócrates, que não desanimemos da virtude; que não riamos da honra; que não nos envergonhemos da honestidade; e que saibamos, em auto-exame, que o ouro sujo – mineral execrável, prostituta vil da humanidade – arrasta os sacerdotes e os servos para longe do seu altar; arranca o travesseiro onde repousa a cabeça dos íntegros; nomeia ladrões e confere-lhes títulos. Ah, se o desonesto soubesse a vantagem de ser honesto, ele seria honesto ao menos por desonestidade…

Que o fio da meada puxado pela picada da cobra naja sirva para purificar os meios de quem nos deve exemplo como compromisso por juramento!

Flávio Noronha em 06-08-2020

COMPARTILHE AGORA:

Leia também